... e eu amo você.

Encostei no balcão do velho “Secos e Molhados” e pedi:
 - Quero 5kg de arroz.
A velha de buço negro, avental roto e sujo, levantou os olhos e proclamou:
- Arroz velho é o melhor, pode levar.
Enchi um copo de vidro que um dia foi cheio 
de geléia de morango,
Lavei com calma, vendo aquela água suave e branca escorrer pela peneira.
Eu não tenho lava-arroz. 
Apoiei a peneira em dois copos e deixei escorrendo.
Sentei-me à mesa e comecei a picar meia cebola.
Dos meus olhos escorriam lágrimas.
Por algum tempo achei que fosse da cebola mas, 
quando percebi, era choro silencioso.
Amassei um bago de alho... O cheiro forte, 
exorcizava meus demônios.
Duas colheres de óleo. Até toquei o óleo com os dedos.
Esfreguei, senti liso. Escorregadio.
Acho que eu quis sentir minha vida, escorregando pelo tempo.
Uma ponta de colher de sal iodado, para evitar o bócio.
Poeta tem muito papo.
Aquele vaporzinho cheiroso, saindo da panela, era um perfume pro meu estômago vazio.
Puxei a velha cadeira e botei no velho prato aquele manjar soltinho, branquinho, saboroso, quentinho...delicioso.
Aquela brancura do arroz me transmitia paz.
Era uma mensagem de paz. Eu estava feliz.
Um homem em paz, mesmo velho, 
come arroz puro e é feliz.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 21/08/2007
Reeditado em 02/10/2007
Código do texto: T617920
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