O café da manhã de hoje à noite

São quatro horas da tarde, ainda não fiz o que havia programado para as 10 da manhã. Logo chega a noite, mas a tarde seguira inerte, sem as marcas de ação qualquer, somente a do tempo e sua lâmina invisível. Dia após dia é essa a sensação de Onofre, o homem que não sabe que está vivo.

Onofre nasceu tarde, já com nove anos, ainda que não tivesse noção disso. O primeiro choro foi aos 16, andou aos 20. Todas essas ações corriqueiras ao homem, moderno ou não, para ele foram apenas coisas confusas e desnecessárias. Por que já andar se mal comecei a chorar? Depois eu ando, depois, e somente depois.

Assim os seus dias são uma sucessão de atos velhos e desmotivados. Acorda sem saber se de fato dormiu, levanta e nem se lembra de que pode andar. Bate a hora da janta e lá vai para o seu café da manhã, com um pão envelhecido, o leite passado, a manteiga rançosa. Tudo datado, etiquetado pelo tempo.

Depois eu faço, depois, eis o mantra de Onofre. Não adianta agenda, bloco de anotações, papeizinhos espalhados pela casa, nada disso é o suficiente para que ele tenha algum objetivo. Seu único interesse é marcar o minuto seguinte como aquele em que irá planejar algo. E chega o minuto e lá se vai o plano, pois este passou para o minuto seguinte.

Onofre não sabe qual a sua idade, onde estão seus pais, amigos e conhecidos. Onofre não sabe de nada, não aprende nada. Passa o dia tentando entender o que de fato ele deve fazer, mas quando vê já está deixando isso para depois. Certa vez tocaram a campainha de sua casa, foi atender e não era ninguém, Onofre tomou isso como um sinal do tempo, de que havia demorado tanto para atender que a pessoa, seja lá quem fosse, já havia ido embora. Ficou ainda no porta, esperando, mas ninguém apareceu e ele nem soube quanto tempo lá passou, parado.

Certa vez Onofre acordou pensando que era hora de mudar isso, de fazer algo. Deu um forte bocejo e levantou-se, mas não pode. Bateu firme com a cabeça num maciço tampo de madeira. Depois de horas e horas divagando sobre o que pode ter acontecido, Onofre ficou cansado e foi cochilar. Lá fora, terminavam de colocar as flores sobre o jazigo e um bilhete de não se sabe quem. Onofre dormia e divagava tanto, que o deram como morto. Foi velado e tudo o mais.

Agora era tarde para mudar as coisas, ainda que Onofre não se desse conta disso.