AH, ESSA EXISTÊNCIA QUE SE ALARGA E SE APEQUENA...

Quando somos crianças, possuímos uma visão distorcida em relação aos mais velhos. Os jovens são os adultos; os adultos, os velhos; e os velhos, muito velhos, contam anos como se fossem décadas dentro da nossa imaginação. Enquanto crescemos, de forma inversa à percepção primeira, vamos colocando mais à frente a idade mais madura e nossos conceitos em relação à velhice se modificam.

Jovens, temos a ilusão de possuir domínio sobre nosso tempo. Sentimos que somos mais livres porque temos a sensação de ter a vida toda pela frente e podemos errar/experimentar porque daria tempo para consertar ou recomeçar.

Mas somos ensinados a fazer planos para o futuro. Somos cobrados, conforme os anos avançam, para assumirmos os compromissos que ser adulto e maduro nos exige. Construir uma carreira e uma família, ajudar como pais na formação dos filhos, se filhos tivermos, sermos independentes financeiramente, entre outras coisas. Diante de inúmeras possibilidades, somos encorajados a escolher um caminho e por ele seguir até sermos prósperos em algum nível que nos satisfaça e àqueles que possam ter depositado suas expectativas em nós.

A estrada larga de possibilidades se afunila numa direção.

Então, se tudo atender ao plano traçado, num momento mais à frente, colhemos os frutos esperados, sejam eles uma carreira sólida, a construção de uma família ou qualquer projeto de vida a que tenhamos dedicado amor, tempo, energia, dinheiro e saúde por longos anos. E só então percebemos: o lugar que ocupamos não é nem nunca será um ponto de chegada.

A vida se restringe a uma ideia, a um microuniverso, e nenhum homem que, tendo experimentado a sensação de infinita potência, pode ser feliz limitado a somente um objetivo, por mais nobre que ele seja. Essa potência todos a vivenciam em algum momento, nem que seja na primeira infância em que os desejos mais espontâneos são satisfeitos ou o domínio da coordenação motora significa, intimamente, encontrar a liberdade de ir e vir ou realizar vontades de forma cada vez mais independente.

Depois que chegamos à meia-idade e que tudo está acomodado entre as consequências das nossas escolhas, o que fazer se ainda temos uma estrada longa a caminhar? Qual grande projeto estaria diante de nós, se o principal, aquele que aprendemos que ocuparia o protagonismo das nossas intenções, já foi ou está em via de ser realizado?

Chegamos ao futuro que idealizamos, bem sucedidos ou não, e, apesar da visão mais amadurecida e da certeza de que nada na vida é certeza, perdemos muitos referenciais. Aprendemos no percurso muitas coisas que afastaram algumas fantasias de quando éramos mais novos. Por exemplo, que, nem sempre, o que parte primeiro é o mais velho. Que nem toda doença fatídica é sentença de morte. Que nem toda relação duradoura é eterna. Que a pouca sabedoria conquistada tem que ser alimentada, renovada, sob o risco de vivermos em permanente estágio de defasagem social. Ou seja: nunca houve donos da verdade entre nós e nem entre os que nos antecederam. Que apesar de termos a idade daqueles que julgávamos velhos há um tempo, ainda não deixamos de ser jovens, sentimos a juventude no íntimo, num corpo tratado para ser saudável ou no frescor das ideais, nos sonhos que ainda possuímos e, às vezes, até reproduzimos alguns pensamentos adolescentes remanescentes. Ao contrário de gerações anteriores, sabemos que há muito pela frente, que a medicina avançou, que nossos pais podem ter o dobro da nossa idade. E se, quando mais novos, achávamos que os quarenta eram a idade madura e beirava os anos de envelhecimento, hoje sabemos que podemos viver toda uma vida de novo, todos esses anos de novo, até mais, se tivermos saúde e sorte para tanto.

Não chegamos ainda, portanto. A corrida permanece. A linha de chegada está mais adiante. Ensinaram-nos a fazer planos para o futuro, mas a nossa referência de futuro ontem é esse lugar que ocupamos hoje e que está, na verdade, no meio do nosso caminho. Estamos aqui e a vida é diferente do que deveria ser. Porque talvez achássemos, mesmo inconscientemente, que já teríamos vivido o principal e bastava descansar ou relaxar e aproveitar.

Mesmo que tudo tenha seguido o roteiro previsto, a carreira nos satisfaça, a família nos encha de amor e alegrias sucessivas, ainda assim, sabemos que não podemos simplesmente deixar os dias passarem nem viver num platô de sentimentos e interesses. Sabemos que não ter um interesse que movimente nosso espírito nos anestesia. Sabemos que precisamos de mais.

Os mais jovens talvez nos enxerguem como um ponto de estabilidade, um referencial, mas a verdade é que, ainda assim, precisamos de borboletas no estômago para sentirmos a vida passar por nós. Nossos parceiros podem achar que a relação estabelecida pesa mais do que qualquer interesse recente mas a verdade é que ainda precisamos renovar a cada dia, face a face com o parceiro, o compromisso amoroso, a fim de alimentar o amor. Nossos amigos e os colegas de trabalho pensam possuir um conceito fechado sobre nós, previsível e confiante, mas se esquecem de que nos conheceram nos desafios da vida, que as relações se construíram nos riscos que juntos corremos, e que a rotina dos dias talvez sepulte a essência das relações de amizade ou de coleguismo se deixarmos de ser necessários uns aos outros, se só vivermos abraçados às lembranças de um passado aventureiro.

A estrada pode se alargar de novo. Podemos ser o que não tivemos, antes, tempo de ser ou de estudar. O que tivemos medo de arriscar quando tudo parecia tão definitivo. Já sabemos que podemos ser muitas coisas em paralelo sem perder o que somos em essência. E que, na vida, nada é definitivo, a não ser que nós próprios queiramos que assim o seja. Podemos conhecer os lugares que, antes, por falta de tempo ou dinheiro, não nos foi possível. Podemos aproveitar melhor nossas companhias, a partir dos vínculos que criamos por toda a vida e que nos fazem enxergar com profundidade as pessoas ao nosso redor ou criar novos vínculos com quem se aproximar de nós, pois nossa experiência faz, de imediato, perceber se valem ou não a nossa energia ou o nosso carinho. Usar como ferramenta um privilégio da maturidade: o olhar mais sagaz e mais generoso.

A verdade que sentimos nessa nova fase da vida é a seguinte: estamos muito jovens para viver só do que conquistamos na vida porque ainda há muita vida para conquistar-se. Há muitos anos pela frente, há muitos interesses no mundo, que muda a cada instante e nos proporciona sucessivas oportunidades de repensar-nos. E, é claro, não perdemos o gosto pelo prazer, pela alegria nem pelo encantamento. Por isso, sempre haverá muito a descobrir-se – tanto em relação ao mundo quanto em relação a nós, nos contatos que fizermos, sejam eles através das artes, da psicologia, da religião ou da ciência. A vastidão do mundo não cabe numa existência.

Se algumas coisas do passado não existem mais, se o corpo já não acompanha alguns movimentos, a mente pulsa mais forte do que o coração. A mente conquista esse saber libertador: podemos ter toda uma vida pela frente, toda ela construída a partir daqui.

Se isso traz um sentimento pleno de felicidade, traz também uma inquietação. No dia a dia, a vida se estreita e se expande. Na notícia da partida de um ente querido ou no fim frustrado de um projeto a que dispensamos extrema dedicação, ela parece se encurtar. Mas, na expectativa sempre existente de novas possibilidades, novas relações, novos hobbies, ela pode renovar-se constantemente.

No fim, estamos sempre em busca de ser e permanecer relevante no mundo, queremos continuar a impactar as pessoas a nossa volta de forma positiva e, ainda, queremos conseguir manter-nos em equilíbrio entre todas as possibilidades reais (boas ou más) que nos cercam, seja aos 15, aos 50 ou aos 100 anos. Queremos ser felizes pelo máximo de tempo. Pois só assim, em vida, o homem se sente infinito.

Clusius
Enviado por Clusius em 28/11/2017
Código do texto: T6184329
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