Segredos de Corrupção

A confissão de um corrupto, por Frei Beto. Artigo publicado na Revista Caros Amigos em 26 de Setembro de 2005.

O penitente ajoelhou-se no confessionário. Impossível definir-lhe o rosto através da treliça de madeira. Tinha porém, a voz nítida.

“Padre, há anos sou corrupto. Agora estou arrependido”

O arrependimento viera de um trauma de família: a filha adolescente aparecera com câncer. Ele fizera a promessa de virar a página das maracutaias. Narrou a sequência de notas frias, achaques, negociatas, propinas, paraísos fiscais, doleiros, evasão de divisas, sonegações e outros crimes do mundo em que vivia.

Perguntei-lhe se aceitava um café na casa paroquial.

Não interessava a sua identidade. Queria saber como se faz um corrupto.

Na copa detalhou como, ao longo dos anos, aprendera a mandar os escrúpulos às favas:

“ Comecei numa empresa privada, para a qual eu fazia contatos com o poder público. No início, eu nem pensava em pegar dinheiro para o meu bolso. O patrão me convenceu de que os negócios têm regras que nem sempre condizem com a lei. E quem não participa vira Francisco de Assis,santo mas pobre.

“ Eu acertava o contrato da obra, oferecia ao representante do poder público comissão de 10 a 15 por cento do orçamento, marcava as cartas da licitação. Aprendi que, assim, certos políticos fazem seu caixa de campanha. O que custa 100 é aprovado para receber 500, e 200 vão para o caixa dois.. Tudo sem nota fiscal, intermediação bancária, assinaturas. Vale o dinheiro vivo. Lucra a empresa, que ganha a obra; lucra o empresário, que superfaturou; lucra o político, pois campanhas estão cada vez mais caro. E tudo pago pelo contribuinte.

“Com o tempo, fiquei tentando a atuar do outro lado da banca. Entrei para o serviço público por indicação de um político cuja hiena se alimentava na minha mão. Aprendi a fazer lobby, tráfico de influência , negociar intermediações, vender informações. Utilizava com frequência a triangulação: meu setor público conveniava-se como uma instituição aparentemente idônea através de projetos que, ditados por nós, eram preparados e enviados por ela. E a instituição contratava serviços a custos bem mais altos do que aqueles que o Estado paga diretamente. Nesse repasse ganham todos, onerando os cofres públicos.”

“ Um dia dei conta de que até nas pequenas coisas eu virava ladrão: carregava para casa caixas de lapiseiras e material de escritório e informática. O melhor eram as viagens, nas quais eu faturava contas de hotéis e restaurantes.

“ Meu único receio residia em meu padrão de vida. Morava em condições muito confortáveis para o meu nível salarial. Não chegava a ter medo, porque as pessoas são ingênuas, não prestam atenção na desproporção do cargo que ocupamos com o luxo de que desfrutamos. Nem sequer cobram dos políticos e dos partidos transparência nos gastos de campanhas. É por isso que a reforma política não sai. E duvido que acabe com o financiamento privado de candidaturas e obrigue todos os políticos eleitos a quebrarem seu sigilo bancário.”

“ É muito dinheiro que vai para o ralo da corrupção. E há pessoas honesta que sabem disso, mas fazem vista grossa porque ignoram que a corda rompe do lado do mais fraco. Há também chefes e chefetes que não sujam as mãos com dinheiro escuso, mas se apropria das vantagens sociais e política de negociatas.Pagam conivência com o seu silêncio.

“Por que não existe um Disque Corrupção no qual o denunciante não tenha que expor?” Perguntei.

“Poderia haver uma “caça ás bruxas” alimentada por inescrupulosos interessa em manchar a honra de gente séria, disse ele.” Mas garanto que, na peneira muito graúdo não haveria de passar.

Indaguei do penitente como pretendia agir daqui para a frente. Disse que enviara um relatório –denúncia ao Ministério Público e entregara cópias a jornalistas de confiança E decidira se desfazer de tudo aquilo que fora adquirido em negociatas, favorecendo a manutenção de uma clínica para enfermos de baixa renda.

Ele me autorizou a publicar o relato .Dei-lhe a absolvição após meditarmos sobre o encontro de Jesus com o rico Zaqueu, que entregou metade de seus bens aos pobres e quatro vezes mais a quem havia fraudado “ Frei Beto.

(Lucas, 19.1-10).

Faz quase 12 ano deste relato ao frei Beto. De lá para cá houve pequenos avanços no combate a corrupção,.Basta observar no comando da República, instalou-se uma Quadrilha. Temos um JUDICIÀRIO desmoralizado e setores de IMPRENSA venal, que tem preço.

Lair Estanislau Alves.