LINHA

Meu avô uma vez me disse:

- Filho, mantenha-se na linha e viva!

No momento, com o carretel de linha dez em mãos, pensei: "Como posso me manter na linha?"

Ele riu-se, como se tivesse lido o meu pensamento.

Meu avô faleceu há 20 anos e só depois de alguns anos, quando me equilibrava sobre as guias de uma calçada, voltei a questionar sobre aquele fato:

-"O que é viver na linha?"

A linha, como a calçada, é um objeto que nos lembra um comportamento alinhado, reto, isto é, eticamente e moralmente, a linha também é a maneira que os blocos se sobrepõem um ao outro nas paredes e muros, a maneira de seguir regras religiosas ou uma forma de resignar-se não perturbando a ordem das coisas, mas a linha que eu tinha em mãos, não tinha nada, nada a ver com ética ou ordem das coisas, ela não respeitava as casas, as árvores, ela passava sobre muros, ela cortava, ela transgredia!

A linha, embora ereta como um felo, dançava no ar, ela direcionava a pipa, regia pra lá e pra cá, ela descia do céu ao inferno e voltava sorridente e rebolando como mulher feliz. A linha corria pelo ar, brincava com o vento, fazia barriga de grávida debochando de toda retidão que apresentava em si mesma num momento anterior. A linha, quando parava o vento, como um homem, também brochava!- Mostrando o outro lado de sua sexualidade!

Eu me vi linha muitas vezes, como se fosse uma linha, e meu vô que viveu a retidão imposta pela ditadura, sabia muito bem que um dia eu iria entender aquelas sabias palavras e que, a partir desse momento me tornaria, não um homem, mas uma pequena- uma pequenina criança!