Anjos em potencial

Esta aconteceu durante uma visita em Munich. Sim, aquela considerada a "capital do nazismo" de outrora. Na realidade, este estereótipo ficou realmente para trás. O que temos lá hoje não é apenas uma bela cidade com colossais monumentos e construções de séculos anteriores, mesmo que alguns deles tenham sofrido bombardeios, mas também um povo de mente muito aberta e que me impressionou bastante.

Eu havia saído do aeroporto de Amsterdã em direção a Munich para ver uma grande amiga que tive a felicidade de conhecer durante minha moradia na Nova Zelândia. Ela estava passando as férias na Alemanha. Porém, ela estava doente. Alguns rápidos passeios pela cidade e tivemos que retornar de tarde ao Hotel no sábado. Era cerca de dez horas da noite quando ela se recolheu para descansar, com febre. E eu fiquei no bar do hotel, pensando no que deveria fazer em uma noite fria e nevando como aquela. Resolvi sair. Na realidade lugares como night clubs não me apetecem inteiramente. Principalmente pelo desfile solto do ego das pessoas, grande parte vivendo em um mundo de aparências. Mas, não sei se devido a situação, eu me vi impelido a explorar a night alemã e fui a um dos mais seletivos night clubs da cidade. Eu sempre viajo munido de um bom traje para seja qual for o tipo de ocasião que apareça – por sorte desta vez não havia sido diferente. Mesmo que normalmente eu imagino que será um jantar ou algo do gênero.

Ao chegar na porta do local, realmente foi tudo o que eu já imaginava. Um alto número de pessoas tentando entrar, pessoas consideradas importante passando por outras entradas e pessoas sendo rejeitadas na porta. A famosa acepção de pessoas. Não sei se felizmente ou não, mas em cinco minutos parado por lá, ainda verificando o local, o segurança apontou para mim e disse:

- Você! Pode entrar!

E eis que as pessoas á minha frente me deram passagem. Com toda a cordialidade o segurança inverte de alemão para inglês e diz um “tenha uma boa noite”.

Eu geralmente não paro longos minutos para analisar tudo ao meu redor. Com uma dose de whiskey na mão, gentilmente fornecida pelo rapaz do bar, cujo nome é Leon, começo a verificar tudo o que está ocorrendo ainda apoiado no mesmo bar. Reparo em uma garota que estranhamente não está na “vibe”. Ela está próxima da parede tomando um drink e, assim como eu, observando tudo! Resolvi ir conversar, torcendo para que ela falasse outra língua que não fosse alemão.

Ao me aproximar, ela sorriu e disse oi. E para a minha sorte ela falava inglês fluentemente. Maria era seu nome.

O que aconteceu nas duas horas seguidas, fez com que aquele clube desaparecesse. Como é bom quando você encontra alguém para conversar onde pode ser você mesmo e dizer o que quer que venha á sua mente. Entenda caro leitor, eu não estou falando de atração aqui. Esta não é uma crônica que culmina em uma paixão. Eu estou falando apenas de conversas com pessoas interessantes que fazem o tempo valer a pena. Uma troca de experiências.

Caminhando pelo deck do clube, após ela compartilhar suas atuais pesquisas sobre cura através de frequências e muitos insights sobre sua vida, ela também compartilhou um grande sentimento de culpa. Cometeu erros em sua vida, tal como todos nós. Perdeu um grande amor por conta desses erros. Eu ouvia cuidadosamente cada palavra, enquanto terminava o último gole de mais uma dose. Olhei no fundo dos olhos dela e disse:

- Our past mistakes are meant to guide us, and not define us. (nossos erros passados devem nos guiar e não nos definir)

Vi aqueles olhos se avermelharem instantaneamente. Quantas vezes você liberou o mais importante dos perdões em sua vida, aquele para você mesmo? Admitindo seus erros, admitindo que não foi perfeito, admitindo que podia ter feito de outra forma mas não o fez? Estamos aqui para nos transformar, e a única maneira é entrando em paz consigo mesmo.

O que aconteceu não retorna. Mas carregar a culpa é reviver um fato todos os dias, não dando importância para novos fatos. Aquilo havia acontecido há muito tempo. Talvez, a pessoa nem fosse mais a mesma.

Voltei para o hotel naquela noite, fazendo uma retrospectiva em quantas vezes neste último ano eu apenas disse “sim errei e não faço de novo e que se dane o julgamento disso”. E quão difícil é pra algumas pessoas não andarem em alinhamento consigo mesmas entendendo que a vida é pra errar e que isto é o divertido do jogo.

Embarcando no dia seguinte, recebo uma mensagem de maria.

“Existem momentos em nossa vida em que coisas inesperadas acontecem e que podemos considerar um milagre. Obrigada pela nossa conversa e pela mensagem que você me trouxe”.

As palavras “Mensagem que eu trouxe” ficaram na minha mente durante o vôo. Não é isso que significa a palavra anjo? Mensageiro? Precisamos mesmo de um tipo de divindade o tempo todo vindo aqui pra nos dizer algo que alivia nossa dor na alma ou podemos nós mesmos como humanidade cuidar uns dos outros, apenas se ouvirmos alguém?

É muito egoísmo carregar nossa bagagem apenas para nós mesmos. Lições devem ser compartilhadas, e talvez, você seja o anjo de alguém e nem se dá conta. Se verdadeiramente abrirmos nossa consciência para o próximo, podemos ser nós mesmos os criadores do verdadeiro mitológico utópico paraíso, onde o mundo inteiro olha por você e você olha pelo mundo inteiro. E sei que dificilmente nossa sociedade chegará neste ponto, mas pelo menos estes oásis no deserto recuperam minha confiança no mundo.

Um forte abraço, caríssimo leitor.

Marcello Morettoni
Enviado por Marcello Morettoni em 18/12/2017
Reeditado em 13/12/2019
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