Bons frutos
Era um início de manhã tranquilo. Dona Ana vinha de um povoado próximo. Eu sempre a via nas imediações do centro, descendo do ônibus. Passagem cara, mas era possível a ela, de vez em quando, estar por aqui. Neste dia, era uma extrema necessidade. Na sua pequena propriedade havia mangueiras, jabuticabeiras, pequizeiros e outras frutas, que sempre trazia para vender na cidade. Eu estava bem próximo quando ela desceu do ônibus, meio atrapalhada pelo peso das mercadorias. Não eram tantas assim. Carregava-as num balaio tradicional feito de tiras de bambu  e duas sacolas plásticas. A movimentada avenida era ideal para as vendas. Começou a ajeitar tudo cuidadosamente na calçada. Tinha um banquinho dobrável e logo montou sua vitrine. Comecei a observar os frutos e, antes que eu perguntasse algo, ela me pediu um favor:
 - O senhor poderia olhar minha mercadoria enquanto eu vou num banheiro aqui perto? Imediatamente me prontifiquei:
- Pois não! Pode ir tranquila que eu tomo conta para a senhora.
O que eu inicialmente temi, foi o que acabou acontecendo. Ela não retornava e começaram a aparecer interessados perguntando pelas frutas. Eu, não tendo nenhuma informação sobre preço e medidas, apenas pedia que aguardassem a dona chegar. Mas no cotidiano atual, quem tem esta paciência? Até que o inusitado aconteceu. Um senhor de meia idade se aproximou e começou a observar ansiosamente a mercadoria. Viu que havia pequis, manguinhas e jambos. Repentinamente decidiu comprar tudo. Ao que eu lhe afirmei:
- Senhor, eu não tenho como lhe vender, pois a dona das frutas não está no momento. Só estou tomando conta. Ao que ele retrucou:
- Eu pago qualquer preço. Estou com cinco netos de férias em casa e nenhum deles as conhece. Estas são da roça! São diferentes daquelas dos supermercados. Eu preciso levá-las, todas, pois eles viajarão de volta para São Paulo após o almoço.
A senhora não retornava e eu não sabia o que fazer. Como fechar um negócio sem seu conhecimento? Novamente o senhor me indagou e fez outra proposta:
- Meu amigo, eu sou dono de uma farmácia logo ali. Vou deixar com você uma autorização para que passe lá e receba seu dinheiro. O senhor confia em mim?
Fiquei desconfortável enquanto ele se dirigia ao carro. Voltou e preencheu o dito documento. Conferi o endereço da farmácia e me assegurei dos demais dados, além da assinatura autorizando-me a pegar o dinheiro. A insistência foi tanta que decidi arriscar e fechar o negócio.
Como sempre acontece nestes casos, tão logo ele levou as mercadorias, em poucos minutos a senhora retornou. Mostrou-se assustada. Tranquilizei-a e, por óbvio, propus irmos juntos até a farmácia pois ela tinha que informar o valor devido pelas frutas e o vale estava em meu nome. Chegamos e fomos direto ao caixa que nos informou, em princípio, desconhecer o fato. Senti um frio na barriga!  E agora? Felizmente, fomos surpreendidos com a chegada do senhor que resolvera passar no estabelecimento antes de ir ver os netos. Enquanto tudo se resolvia, a Dona Ana, na sua simplicidade, comentou que, com o valor apurado, iria comprar medicamentos dos quais precisava muito. Ouvindo aquilo e usando de esmerado bom senso o senhor propôs-lhe repassar os remédios, independentemente do valor, dando com encerrada a venda. Como fiquei aliviado e feliz! Nunca soube o valor que foi atribuído às frutas e nem tampouco o custo dos medicamentos.  O que sempre me vem à lembrança é a gratidão daquela mulher, cheia de alegria, afirmando que lhe dei sorte nas vendas daquele dia.
A propósito, certo dia quando passava pela avenida, ganhei uma porção de deliciosas jabuticabas. Desafio ao caro leitor descobrir quem foi que me presenteou!
Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 24/01/2018
Reeditado em 25/01/2018
Código do texto: T6235151
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