Há Escalas para a Violência?

HÁ ESCALAS PARA A VIOLÊNCIA?

Marizete Santos

Ligamos a TV para assistir ao jornal e somos bombardeados por notícias de assaltos, bala perdida que matou uma adolescente no metrô, o jornalista que foi torturado e assassinado pelos traficantes no Rio de Janeiro, o usuário da droga que matou a avó a facadas e por ai vai toda uma enchente de violência urbana explicitamente detalhada pela mídia.

Fico imaginando por que é que os meios de comunicação de massa não procuram detalhar outros tipos de violências que convivemos em nosso cotidiano.

Certa ocasião estava fazendo uma visita à filha de uma amiga que estava hospitalizada, quando na saída chegou um carro tipo picape que trazia em sua caçamba uma senhora se esvaindo em sangue. Olhei rapidamente e percebi que tinha um corte profundo no tórax e outro em uma das pernas. Sua filha relatou que haviam sofrido um acidente automobilístico em que sua mãe foi a maior vítima. Pois bem, um atendente veio recebê-los e perguntou se tinham Plano de Saúde para cobrir as despesas hospitalares, ao ter uma negativa como resposta, informou que infelizmente ela teria que se dirigir ao hospital de Pronto Socorro. Lembro que olhei para dentro do hospital e vi vários médicos observando de longe o desenrolar do caso. Até hoje me pergunto se aquela senhora sobreviveu, não sou da área médica, mas pelo quadro que presenciei, acho que não.

Fico me questionando qual a maior violência? Será aquela praticada contra a senhora que teve seu direito à vida violada pelo capitalismo médico? Ou será aquela praticada pelo hospital contra os médicos, que por uma questão de sobrevivência traíram seu juramento de defender a vida acima de tudo? Há uma hierarquia na violência? É mais grave abandonar os idosos a solidão dos asilos ou explorar o trabalho infantil? O que será mais hediondo abusos sexuais contra a mulher ou contra a criança? O que avilta mais a dignidade? Não ter comida à mesa ou se prostituir para poder se alimentar? Será violência o trabalhador se sentir descartado aos quarenta, cinqüenta anos quando se percebe desempregado e sem perspectiva de recolocação pois no atual modelo econômico está muito velho para o mercado de trabalho?

O constante bombardeio da violência explorado pelos meios de comunicação de massa está nos cauterizando, tudo se banalizou, não há mais espanto, não há mais indignação frente à violência contra todos os direitos ao humano. A violência urbana explicitada e alardeada pelos jornais está fazendo com que achemos normal a perda de valores, onde a ética perde espaço para o lucro, o ser cede lugar ao ter e a essência sai de cena para entrar a aparência.

Não estou minimizando a gravidade dos seqüestros, assaltos, torturas, contudo é necessário que não percamos de vista outros tipos de violências emocionais que convivemos cotidianamente e não nos apercebemos ou então já estamos tão cauterizados que não nos importamos mais.