PILEQUES JUVENIS

PILEQUES JUVENIS

A parte de São Vicente que chamávamos de Pracinha tinha como referência a Praça Bernardino de Campos e abrangia um bom pedaço da cidade nos anos 50 e 60. O entorno da Avenida Capitão Mor. Aguiar desde a antiga Fábrica de Vidros, hoje Saint Goban até o São Vicente Praia Clube, toda a região do Porto de São Vicente (Rua Japão e adjacências), vizinhanças do Cemitério de São Vicente, praças da Biquinha e João Pessoa (hoje Vila de São Vicente). Onde é hoje o bairro México Setenta era mata nativa e a ponte do Mar Pequeno não existia.

A Capitão Mor. Aguiar só tinha a pista sentido Praia Clube-Fábrica de Vidros, em terra, e a região destinada à outra pista era usada como acesso às casas e estacionamento dos poucos carros. Na esquina com a Rua Santa Cruz existia um campinho que a molecada passava o dia jogando futebol. Em 1961 assumiu a Prefeitura o Eng.º Roberto Andraus e administrou a cidade por um ano, mas implantou a rede de iluminação pública na avenida. Lembro-me da ocasião, pois o prefeito foi quem acionou a chave que ligou o, na época, moderno sistema. De repente, fez-se a luz acabou-se a escuridão na Avenida Capitão Mor. Aguiar. Foi maravilhoso, porque nó passamos a estender o horário do futebol até à noite. Vira e mexe surgiam discussões sobre faltas, gols, escanteios, etc. Às vezes uma troca de xingamentos e um ou outro empurrão. Em cinco minutos estava tudo bem, e a bola rolava. O problema quando não tinha bola ou o dono da mesma, geralmente garoto mimado, era chamado pela mãe ou tinha que ir para casa. Pronto, acabava a brincadeira. Cada um para sua casa, pés descalços, sujos de terra, mal chegados a mãe já mandava tomar banho e reclamava: isso são horas seu moleque, já tomar banho, hoje nada de televisão (para quem tinha esse luxuoso aparelho). Quando não rolava uns petelecos na cabeça ou uns tapinhas. À noite, conversas na Praça João Pessoa, gozações mil. Dia seguinte, escola de manhã e futebol à tarde. Praia, só aos domingos.

Essas conversas à noite na praça se estendiam até dez ou onze horas da noite. Embora o assunto futebol dominasse tudo, rolavam as mais diversas gozações e brincadeiras. O Dudu era um cara mais velho que nossa turma, muito gente boa. Eu comecei a falar que ele tinha um pé maior que o outro, dizendo que o esquerdo era tamanho 38 e o outro 39. Depois de alguns minutos me afastei. De longe observei que, às vezes , ele juntava os dois pés e comparava os tamanhos. A gente ficava ali, na frente da casa dos Del Vechio, em intermináveis bate-papos, desfrutando do simples prazer de estar com amigos, trocando informações e opiniões. Até hoje, quando encontro alguém dessa turma (o que acontece cada vez mais raramente), a conversa flui.

Nas quermesses do Praia Clube havia uma brincadeira interessante. Era uma barraca de uns três por quatro metros. Na entrada havia marca de pênalti no chão e, ao fundo uma enorme cara de palhaço com a boca aberta. Na boca do palhaço, um furo pouca coisa maior que uma bola de futebol. O camarada pagava uns cinco ou dez cruzeiros e tinha direito a arriscar chutar três vezes da marca no chão e, caso acertasse na boca do palhaço, era recompensado com um vinho, ou licor, o mais vagabundo possível. Eu, o Cadão, o Zé Guardinha e o Sandoval tentamos e nenhum acertou a boca do palhaço. Chamamos então o Joninho (Jhonny Del Vechio), e pagamos para ele jogar. Essa ideia foi um sucesso. Joninho de cada três chutes acertava um. Não bebia e na hora nos entregava a garrafa. Ali mesmo a gente consumia aquela bebida e já ficava esperando Jhonny chutar mais. E assim foi por uns dois ou três dias. Com a prática, o número de acertos aumentou e o dono da barraca proibiu Joninho de jogar, acabando com nossa farra. Mas foram pileques inesquecíveis.

Era a época do Cuba Libre, coquetel que é uma mistura de rum, Coca-Cola e limão. Inventado, segundo Wikipédia por um comandante americano em 1898, quando os americanos auxiliaram as tropas cubanas a lutar contra forças espanholas no processo de libertação da ilha caribenha, que pertencia à Espanha. A gente se reunia no Praia Clube, onde jogávamos basquete. Aos domingos à tarde, assistíamos futebol, geralmente jogos do Santos. O Jabuti servia uns Cuba Libres durante a transmissão. Começou então a rolar umas domingueiras e ai sim, iniciei a consumir mais bebidas. Nada de bebedeiras, mas apenas o suficiente para tomar coragem e vencer a timidez e convidar as moças para dançar, arte que eu estava aprendendo. Aos poucos as bebidas foram fazendo parte de minha vida.

Na frente da Igreja Matriz se localizava o Bar do Bigode. De manhã, o Bigode montava uma pirâmide a copos de dose com pedaços de limão galego e açúcar. O freguês pedia, Bigode macetava bem, colocava gelo picado, completava com cachaça Morrão do Morro, colocava um copo igual vazio encima, segurava na junção das duas bocas e chocalhava. Colocava um palito de picolé. Pronto estava pronta para beber a grande novidade: chamavam, não sei por que, caipirinha. Ninguém conhecia e só no Bar do Bigode a gente encontrava. Na Rua Martim Afonso tinha um bar que vendia um maravilhoso vinho Sangue de Boi (lê-se “Sang di Buá”). Viramos fregueses. Mas, como meus grandes interesses sempre foram o esporte, a leitura e o colégio, não deixei que o hábito virasse vício.

Mas que dá saudades dessa fase, em que a grande novidade era ficar tonto em conjunto com os amigos, isso dá.

Paulo Miorim

09/02/2018

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 09/02/2018
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T6249719
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