_________Escreva-me uma carta, por favor...


Esta semana recebi uma mensagem inusitada da minha filha que mora fora, dizendo que meu netinho de quatro anos lhe tinha feito um pedido: quer receber uma cartinha da vovó. Fiquei comovida, confesso, pois foi em minha casa que ele teve o primeiro contato com a caixa do correio. Sempre que íamos sair para passear, ele observava minha consulta à caixinha, em busca de eventuais correspondências, e um dia veio a  pergunta: Vó, o que cê fica olhando nesta caixa? Eu, como toda boa avó, explicava pacientemente que as caixas de correio existem para os moços chamados carteiros deixarem cartas e papéis importantes para os moradores das casas. Pois bem, meu neto agora se mudou para uma casa, e tem uma caixinha de correio à vista — antes morava em apartamento e o sistema de correspondência era feito por distribuição do próprio prédio — e creio que isso tenha motivado seu desejo de retirar uma cartinha na caixa.

 Na verdade, não poderia explicar ao meu neto que carteiro tem a ver com carta, mas que esta função hoje em dia, no que se refere à carta verdadeiramente dita está em declínio. As cartas praticamente sumiram de circulação. Ninguém mais as escreve — a não ser as de cobrança, que não são exatamente uma carta, são muito mais um pesadelo. O hábito de escrever cartas desapareceu com a modernidade. Em tempos de whatsApp e tantos outros aplicativos, lápis e papel foram relegados ao milésimo plano. Quem, hoje em dia, perde tempo em escrever manualmente uma cartinha? Ninguém. E eu que um dia já pensei em me dedicar ao ofício de escrevedora de cartas, ideia inspirada na personagem de Fernanda Montenegro, em Central do Brasil, estaria falida e mal paga.  Ah, tempos modernosos!

Já recebi muitas cartas em minha vida, e posso garantir, a emoção é inenarrável. Nada melhor que acariciar aquele envelope de beiradinha verde-amarela — o envelope oficial  trazia brasilidade nas bordas, e selos majestosos. Eram assim, imponentes e estilosas, que as cartas atravessavam o País de ponta a ponta até chegarem aos seus destinos, coisa que poderia levar mais de mês, dependendo da lonjura dos rincões destinatários.

Houve tempo, e isso nem faz tanto, que se comprava papéis de carta. Eram lindos e cheirosos, para tornar a carta ainda mais elegante e desejada. Na década de oitenta eram febre, embora a razão fosse muito mais o hobby de colecionadores — minha filha colecionou muito papel de carta, coisa comum às crianças e adolescentes da época.

Pois bem, fui ver se ainda encontraria um papel de carta, remanescente dos bons tempos, para escrever uma carta bem bonita para meu neto. Na papelaria, a vendedora me garantiu que nunca tinha ouvido falar do assunto. Não me espantei, é claro, ela tem uns dezessete anos, como é que ia saber? Talvez nem saiba o que seja uma carta, imagine um papel de carta.

Que solução? Fui ao computador — em tempos modernos é assim que se faz. Lá, há uma imensidão de sugestões. Compus uma combinação bem bacana, imprimi e ficou ótimo. Ainda bem. Não quero que a primeira carta de meu neto chegue feia e sem graça. Ela há de ser escrita à mão, em papel de carta decorado e ser depositada pelo carteiro na caixinha do correio, como manda o figurino. Tenho certeza, será relíquia. Afinal, a carta, ao que tudo indica, será em pouco tempo uma peça de museu. E viva a modernidade, bem-vindos, todos, ao mundo tecnológico e digital!