Foto: arquivo pessoal



O agasalho era simples, mas bonito. Ao entrar na loja gostei dele logo no início. Era de um azul escuro discreto. Os bolsos nas laterais traziam sofisticação à peça dando personalidade e estilo à marca pouco conhecida. Funcional e barato, aquecia com elegância e discrição. Sabia que meu pai gostaria do presente. Não demorei em me decidir. Levei o agasalho. Coloquei-o numa bela embalagem e trouxe-o para casa. Era inverno de uma tarde cinza de junho. O ano era 1989.

Pedreiro caprichoso, meu pai havia passado trinta dias em casa comigo. Viera finalizar um serviço que o irmão, acidentando-se, não conseguira terminar. Finalizada a obra e chegada a hora de partir quis presentear meu pai. Entreguei-lhe o agasalho. Meu velho partiu naquela manhã fria de inverno vestindo o casaco que o acompanhou por outros longos invernos.

Certa vez, em um desses invernos durante as férias na casa de meus pais, papai aproximou-se de mim garbosamente agasalhado, mãos no bolso do casaco, com seu jeito simples, sempre sereno. Trazia um sorriso nos olhos. Meu pai sempre sorria com os olhos transmitindo confiança e a sabedoria simples que muito me ensinou.
– Você se lembra dessa “blusa de frio”? – perguntou-me serenamente.
Olhei para o seu agasalho esforçando-me para lembrar se já havia visto aquela “blusa de frio” antes.
– Não me lembro, pai. De onde ela é?
– Foi você que me deu quando estive na sua casa. Foi no dia que vim embora.
– Olha só! – respondi surpresa e feliz –, lembro-me que dei para o senhor um agasalho de presente, mas não me recordava mais como era. Imaginava até que o senhor já nem o usava mais.
– Uso. Uso muito. É uma blusa muito boa e gosto muito dela. Tem bolso e esquenta de verdade. – disse satisfeito, ora passando as mãos pelo agasalho, ora tirando-as e colocando-as novamente nos bolsos. – Acho que nunca tive oportunidade de te contar, mas você nem imagina como essa blusa quebrou o galho naquele dia.
– Quebrou o galho, pai? Como assim?
– Naquele dia, quando cheguei em Luz, fiquei na beira da estrada esperando o ônibus pra Uberaba por mais de três horas. Ihh, demorou demais. Fazia muito frio e um vento de rachar! A blusa quebrou muito o galho. Se não fosse ela não sei se aguentava.

Anos mais tarde ouvi de minha mãe e irmã que meu pai tinha um cuidado e carinho muito grande por aquela “blusa de frio”. Não apenas por gostar dela e achá-la prática, mas por ser um presente meu. Confidenciou-me que, nos dias frios, estava sempre com ela, deixando esquecidos no armário outros casacos melhores.

Quando papai faleceu, tão logo nos despedimos dele, em um sábado triste e nublado, mamãe colocou seus pertences à disposição dos filhos. Perguntou-me o que eu queria levar de meu pai. Não demorei em me decidir. Levei o agasalho. Coloquei-o numa bela embalagem e trouxe-o para casa. Era novamente inverno de uma tarde cinza de junho. O ano era 2014. Sabia que meu pai gostaria que eu o guardasse.

Às vezes, procuro o velho agasalho no silêncio do armário onde permanece contando histórias e resgatando lembranças. Às vezes, gosto de sentir o calor humano que ele proporciona. O calor que aqueceu os últimos vinte e cinco invernos de meu velho pai.


Suzana França
Dezembro/2017

 
© Suzana França 2017: Da série: Histórias que a vida me deu.

 
Suzana França
Enviado por Suzana França em 28/02/2018
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