AZUL CALCINHA

A PROVA CABAL

A audiência estava para começar no pequeno ambiente do Fórum de Barro Preto. Quadros de Olavo Bilac e Juscelino Kubistchek ornamentavam a parede da pequena sala onde se improvisava as Audiências que resolviam os “perrengues”, que abatiam a população da cidade. A sala, num tom de bege fazia sintonia completa com os quadros da parede, com fundo azul claro, da cor de enxoval de bebê do sexo masculino. Olavo Bilac com semblante sisudo com seu bigode de fazer inveja aos portugueses que se faziam presente, diferente do patrocinador da causa que exibia um bigode parecendo pintado de preto, provocando a maior sensação, haja vista, ser o dele verdadeiro, ao contrário da fotografia do representante do Exercito Brasileiro que só ficou na lembrança, já que o mesmo habita em plano espiritual. Talvez houvesse alguma semelhança entre os dois, além do bigode e as leis que era a paixão de ambos. Frequentaram faculdade de Direito, embora Olavo Bilac tenha desviado o foco, pois, sua habilidade se encontrava nas rimas. Um dos maiores representantes do Movimento Parnasiano que valorizou o cuidado formal do poema, em busca de palavras raras, e rigidez das regras da composição poética. Poesia era o seu forte. Decidiu abandonar a faculdade e entrar para Academia Brasileira de Letras. Diferentemente, Dr. Ribas nada tinha de poético e nenhuma afeição à palavra escrita. Nele o que sobressaia era esperteza e sagacidade. Político nato. Dai a semelhança ao outro personagem que se encontrava emparedado do lado esquerdo de Olavo, Juscelino Kubistchek. Médico de formação, mas, político de natureza. Sua esperteza se comprova quando, além de outros adjetivos, sempre em evidência, em campanha para a presidência lança seu slogan desenvolvimentista e utiliza como slogan de campanha “50 anos em 5”. Claro que foi eleito e paramentado com a faixa de presidente veio parar na fotografia na parede do Fórum de Barro Preto.

As testemunhas esperam com ansiedade, três de defesa e três de acusação. Dona Maria residia na cidade e estava acompanhada de suas irmãs recém-chegadas de Belo Horizonte todas no intuito de ajudar a Guilhermina a comprovar que o seu filho, já com mais de três anos de idade, era filho de Jurandir.

Dr. Samuel , Juiz de 1ª instância, se encontrava no centro da mesa pronto para as perguntas, que foram formuladas sob a supervisão do representante do Ministério Público, que se mantinha atento a todas as reações da plateia, que se resumiam aos serventuários da Justiça, haja vista, A ação de investigação de paternidade haver de seguir o rito protegida por segredo de justiça.

Guilhermina adentra a sala e afirma que buscava provar a paternidade de seu filho e descreve com detalhes ao Dr. Samuel que teve um relacionamento com Jurandir e que o fato de a mesma ter-se engravidado o havia afugentado, que o mesmo, após o nascimento da criança, contraíra matrimônio com outra pessoa, deixando-a na penúria juntamente com o filho.

“O Juiz lhe pergunta onde se davam a suas relações amorosas ao que ela prontamente responde:” “... Dentro do carro...” e com riquezas de detalhes afirma ser o carro um fusca azul, ano 1968, de para-choques cromados tipo “Herb.”.

O Juiz lhe pergunta se no recinto há a cor do Fusca e ela aponta o fundo dos quadros da parede de JK e Olavo Bilac que a tudo presenciavam de outra dimensão. Olavo, com seu semblante poético, imaginando a sensualidade da situação descrita e Juscelino com a sagacidade e esperteza mostrando em seu semblante que tudo faria para inspirar o nobre Dr. Ribas a comprovar os fatos descritos por sua cliente.

O réu sentado à direita da grande mesa de audiência negava veementemente a paternidade da criança. Afirmando que impossível seria ser o pai da criança. Nega ter saído com Guilhermina e, tampouco, possuir um fusca azul.

Seguidamente o Oficial de Justiça aparece no fundo do grande corredor acompanhado pela primeira testemunha. Vai começar a sabatina.

Dona Maria senta-se na cadeira destinada as testemunhas, posicionada estrategicamente do lado oposto do réu que tudo presencia, amedrontado pelo fato de se encontrar entre dois policiais vestidos com fardas naquele tom de amarelo, com as mãos atrás das costas em posição de sentido. Os militares eram chamados sempre nas audiências de “perlengas” familiares, naquelas que demandam a presença da polícia.

O Juiz faz as perguntas de praxe e pergunta se a mesma tem interesse no caso: “... claro...” responde ela. “sob o olhar atônito do Dr. Ribas”... Guilhermina foi minha empregada e, na época dos fatos, trabalhava na casa de minha irmã Cecilia. Pessoa de índole ilibada. Espero que com meu depoimento ganhe a causa.

O Juiz afirma que não poderá tomar-lhe o depoimento.

Segue, então, a audiência e o depoimento de Dona Maria é seguido por suas irmãs e ambas afirmam à pergunta do Juiz, serem interessadas em proteger Guilhermina.

-E agora Dr. Ribas prosseguimos com a audiência? Suas testemunhas não poderão testemunhar.

Dr. Ribas olha para os quadros da parede e pede inspiração a eles e a Deus, para o sucesso de sua empreitada. Agora, sem nenhuma testemunha.

Haveria de agora em diante se ver com as testemunhas de defesa...

-“... Sim ! Adiante... o talento do advogado é necessário nas horas de perrengue”.

Inicia-se a oitiva das testemunhas de defesa. A primeira nega ter presenciado qualquer proximidade de Guilhermina com o suposto pai.

- “... Alguma pergunta Dr Ribas”?

_ Sim Excelência. Quero saber se Jurandiri possui um fusca azul?

A pergunta do Juiz a testemunha responde prontamente que sim e aponta para os quadros da parede afirmando ““... Aquele azul “calcinha” por de “trás” daquele “bigodudo”.

A situação se repetiu no segundo depoimento.

A terceira testemunha ao ser perguntada, pelo Dr. Ribas, sobre qual transporte utilizaram para se locomover da zona rural até a cidade, mencionou: ““... viemos no Fusquinha do Jurandir e ele se encontra estacionado aqui, a frente do Tribunal.

Dr Samuel dispensa a testemunha e se dirige a janela mais próxima de onde observa o fusquinha majestoso estacionado.

Na sentença, parabeniza Dr. Ribas e atribui a Jurandir a paternidade da criança, sem a menor sombra de dúvida, e num sarcástico comentário diz: a culpa é da calcinha azul ou do Azul “calcinha” sobre os olhares, agora de orgulho, de Olavo Bilac e de JK.

Ao bom advogado talento é imprescindível!

Mariana Quintanilha
Enviado por Mariana Quintanilha em 05/03/2018
Reeditado em 08/03/2018
Código do texto: T6271442
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