VERGONHOSO PROCEDIMENTO

O tempo é implacável. Os dias passam inexoravelmente. A velhice nos chega sem pressa, causando, entre outros sintomas, a perda da memória. Antes de tal me acontecer, compartilho com os leitores acontecimentos banais, transformados em crônicas do cotidiano. Eis a primeira:

Conheci Manuel Vitorino quando mantive escritório em certo edifício da zona central de Brasília. Manuel foi antigo cozinheiro de famoso restaurante da cidade. Era um rapaz inteligente, trabalhador e honesto. Este último atributo que lhe foi dispensado é bastante escasso nos dias de hoje, principalmente em Brasília, onde a Justiça é cega, surda e muda, e a corrupção campeia sem freio, vez ou outra detida pela Lava Jato, operação justiceira que hoje, 16 de março de 2018, festeja quatro anos de atividade.

Volto a falar a respeito de Manuel Vitorino, personagem da gastronomia tupiniquim. O rapaz a quem me refiro, enfrentou os obstáculos do cotidiano com arrojo e tenacidade, vencendo-os com a intrepidez própria dos paraibanos iguais a ele. Passados alguns anos de labuta, tornou-se dono do próprio negócio: um restaurante. Natural de Várzea da Ema, pequena localidade encravada no sertão nordestino, desempenhou suas atividades comerciais revezando-se como empresário, cozinheiro e garçom, desejoso de desfazer a máxima de que o homem dos dez instrumentos não toca bem nenhum. Ele, sim, o fazia com a perfeição dos grandes expoentes da música universal, dizia, em rodas de bate-papo, sem sequer avermelhar o rosto.

No final do expediente diário, cansado e exalando forte odor do óleo comestível, reprocessado infinitas vezes na fritura da carne, Manuel despia o avental que lhe servira por quase uma semana como toalha, pano-de-prato e rodilha. Sentado em uma cadeira de plástico, desfiava histórias vivenciadas ao longo de sua vida laboriosa. Entre os muitos causos de seu inesgotável repertório, jurava de mãos postas, ter presenciado os garçons chegarem à cozinha com essa sentença nos lábios:

– O cliente reclama da falta de sal, do cozimento e da textura do bife. O cara é exigente. Capriche na encomenda!

Aquela era a deixa para o que viria depois.

Insatisfeito com a reclamação, o mestre-cuca atirava o bife no chão, pisava e até cuspia no grosso filé que jazia no chão engordurado por deficiência do exaustor defeituoso. Em seguida, levava-o à frigideira ou à chapa quente, a fim de reprocessá-lo e enviá-lo de volta à mesa do freguês.

Manuel alegava que a ausência de pudor, educação, higiene e respeito ao próximo, jamais fora compartilhada por ele, embora se omitisse em denunciar seus colegas, réprobos de infame procedimento.

Dessa abjeta história, verdadeira ou não, conclui-se que é prudente não nos dirigirmos a um garçom com desrespeitosos comentários sobre a comida que nos for servida. Reclamar é direito de todos, porém, se necessário, façamo-lo delicadamente, com bons modos. Particularmente, tenho por hábito não devolver o que me vem à mesa de um restaurante, reclamando ou exigindo alguns ajustes culinários. Faço-o quando disposto a não aceitá-lo de volta. Por suspeitas razões.

Diz o dito popular que “No mundo tem gente pra tudo”. É verdade. Portanto, redobremos os cuidados por onde quer que andarmos. Que Deus nos proteja. Hoje e sempre. Amém!