O burburinho do mundo

O BURBURINHO DO MUNDO

Tenho pensado muito no ruído à minha volta. Nos apelos televisivos de consumo, usando todos os meios de comunicação e marketing para nos atrair: Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia dos Namorados, etc... E me vejo pensando nas pessoas que não têm pai, mãe e namorado (a). Como este rumor deve incomodar. Como deve aumentar a dor e reabrir a ferida que existe em seus corações. Devem se perguntar: Porque eu não posso celebrar?

Este foi o fio condutor que me levou a meditar sobre o mundo e o quanto ele me perturba. Não é possível viver na ilha da fantasia, embora seja uma idéia muito atrativa. Meus pés estão fincados no solo e, como diz Santo Inácio, estão "consolados", ou "desolados" (sem solo). Tenho o hábito de fazer, periodicamente, retiros espirituais, onde reabasteço meu coração de sentimentos bons e bons propósitos. Semanalmente me proponho subir a serra até Petrópolis onde tenho um apartamentinho que eu chamo de meu santuário, para não dizer meu refúgio. Sou totalmente da ação, da dinâmica e costumo encarar com coragem os obstáculos e, por isto, falo em local sagrado e não lugar de fuga. A verdade é que se não fizermos uma parada, a espiral alucinante do mundo moderno nos arrebata do nosso centro e, de repente, nos vemos em paragens desconhecidas e sem referências familiares. Que loucura, diria Narcisa Tamborindegy!

É loucura mesmo e no profundo sentido da palavra, que é ser conduzido a um mundo irreal e desconhecido. E onde está o real? Será que o conheço? Lembrei-me de Platão e seus mundos: real e das idéias. Lembro-me de ter estudado isto e fiquei com a imagem desta aula na minha cabeça. Dizia a professora que o mundo real é como se estivéssemos em uma caverna, de costas para a abertura de onde vinha a luz. Veríamos, projetada na parede da caverna, a imagem (sombra) de um cão, por exemplo. Como não enxergávamos o animal, para nós, aquela sombra era o cachorro, e assim por diante. Nunca teríamos acesso ao real, ao perfeito, somente à cópia.

Hoje estou me debatendo e procurando me virar para conhecer o real. Neste momento me vem ao pensamento uma passagem de Moisés que pediu a Javé para ver sua face. Javé lhe respondeu que, enquanto ele estivesse vivo na carne, isto não era possível porque o ser humano não suportaria o esplendor da Face de Deus. E eu, o que quero neste momento em que escrevo? Ver este Rosto, conhecer quem sou ou entender o pensamento do outro, que me intriga cada vez mais. Um dia, quando menina, eu e minhas amigas tínhamos o hábito de ter cadernos de recordação e cada uma escrevia um provérbio ou um pensamento. Encontrei o meu caderno e uma das mensagens era: "o melhor julgador julga os outros por si mesmo"....

Que pensamento tão absurdo e, no entanto, na hora me pareceu a descoberta da pólvora. Baseei minha lógica nisto durante quase toda a vida e quebrei a cara, como se diz. Nada dava certo nem em namoro, nem em amizade, nem no trabalho e, muito menos, na vida espiritual. Que confusão e que atraso.

Neste momento eu parei para fazer uma retomada de vida. Já realizei muitos sonhos; já fui feliz em muitas empreitadas; não posso me queixar de falta de popularidade e amizades e, no entanto, sinto-me incompleta e incomodada com o mundo. Sou do mundo? O Evangelho coloca na boca de Jesus a seguinte frase: "sois do mundo mas não pertenceis ao mundo"... Incoerência? Nada disso. O Mestre jamais seria incoerente e muito menos no legado aos apóstolos. A palavra mundo, nesta frase, significa duas coisas diferentes, cada vez que é usada. Na primeira, está dizendo que somos seres humanos, na carne e igual a todos os seres que vivem neste planeta. Na segunda, indica a materialidade que não pode se apossar de nós. Somos passageiros nesta nave mas não podemos nos contaminar com os males que habitam nela.

Fui tão fundo que cheguei a Shakespeare que expressa a dúvida do homem: "ser ou não ser"! Fico com os dois. Quero ser eu mesma, com defeitos e qualidades e não ser confundida com o todo, com a maioria. Ser diferente, sendo igual na aparência. Eis uma proposta desafiadora, esta de agora. Vou assumi-la e tentar desenvolvê-la para ser notada (a proposta) pelos outros e influenciando-os a serem também diversos da maioria. Esta é a beleza da Criação de Deus: que sejamos únicos e ao mesmo tempo comunidade de semelhantes, não iguais.

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 01/09/2007
Código do texto: T633623
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