não sabia que seria preciso abrir o coração em abril para deixar o mar sair de lá
Me deixei lembrar da minha última viagem sozinha e da sensação boa que eu carregava na alma. Somente uma sensação boa na alma para nos levar até à praia em pleno inverno. Mas o que valia era o que estava contido ali em toda razão que movia meus pés no atlas. É engraçado, mas o Brasil começa de verdade quando a gente sai e anda. Quando se ultrapassa alguns limites no mapa ou nos conhecimentos. Eu por exemplo, me sinto mais brasileira a cada vez que saio. Eu, por exemplo, acho que Vidas Secas deveria ser obrigatório nas escolas. Mas eu, por exemplo também, acho que o filme todo produzido aqui em Londrina em 2016 e premiado em vários festivais do mundo, bem poderia ter sido exibido em Londrina antes de rodar o mapa-múndi. Mas que se faça rodar.
Quando viajei a última vez sozinha, o medo que eu tinha não era maior que o calorzinho no peito. Eu ainda não sabia que o Brasil – esse mesmo que a gente devia conhecer - poderia sim piorar; que o Neymar não jogaria a copa do mundo; que a Marielle seria assassinada; que essa viagem se tornaria mais uma história para me despedir em breve e que veria partir uma pessoa que não venceu o câncer.
Me deixei lembrar. Aquela alma leve que esquecia os olhos em cima dos meus ainda não sabia que seria preciso abrir o coração em abril para deixar o mar sair de lá, e que seria tão difícil; que será preciso ser muito brasileira em outubro e otimista em junho
e que a chuva cairia tão forte
num cemitério em janeiro.
Nem um ano dessa viagem,
e tanta maré
em meu calcanhar brasileiro.
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Textos de quinta para fugir da responsabilidade.
Não é promessa. É desejo. :)