Dr. João Pernambuco

João Pernambuco. Homem de história de vida, às vezes, irônica, divertida, sofrida. A mãe, cortadora de cana-de-açúcar no agreste pernambucano. Aos dezoito anos, bolinada por Chico Bento, também cortador de cana. Da bolinação, nasceu João, ou seja, veio ao mundo. Chico Bento, temeroso de levar surra de cipó de fogo do pai de Berenice, fugiu. Até hoje não se sabe em que cafundós se refugiou. Berenice, com a barriga pelos peitos, continua no corte de cana. No final do dia, tarefa cumprida. Retorna a casa em ônibus que sacoleja mais do que sanfona de forrozeiro.

Em pleno canavial, dores imensas transversam o ventre de Berenice. Companheiros acorrem, ao ouvirem gemidos de Berenice A companheira dá à luz, ali mesmo, debaixo de uma touceira de cana. De imediato, socorrem a parturiente até o hospital do lugar. Cama para deitar-se e berço para o rebento. Na pia batismal, a criança recebe o nome de João Pernambuco. Pernambuco em tupi-guarani significa aquele que arrebenta. Criança sadia. Olhinhos apertados. Choro forte de pulmões limpos. Os avós acolhem a criança com carinho e com muito amor. Aos poucos, o menino cresce. Menino peralta. E a primeira peraltice foi uma briga com o filho de Zezinho. João, de um só coice, arrebenta o nariz de Joca. Pernambuco fica dias escondido na camarinha da casa. A mãe o aconselha a ser bom menino; a ser da paz. Na escola, João Pernambuco destaca-se como melhor aluno. Muito esperto nos cálculos matemáticos. Gosta de ler historinhas de Monteiro Lobato e de outros. Menino falante, cortês. Aos dezesseis anos, acontece a segunda peraltice. Pernambuco não se conforma com a luta renhida de Berenice para sustentá-lo. Um dia, às escondidas, João aparece no corte de cana com facão em punho. Demonstra habilidade no manuseio do ferro. Rápido no corte. Deixa alguns companheiros de Berenice boquiabertos diante de tamanha agilidade. Mas ele é menor de idade. Berenice não permite ao filho seguir em frente. Quer vê-lo doutor. Pernambuco segue o conselho da mãe. Entra de cabeça nos estudos. Termina o ensino fundamental como aluno nota dez. Daí então, rato de biblioteca.

Um dia lhe cai nas mãos Malba Tahan. Lê o homem que calculava. Cresce em João o amor pela matemática. Admira a simplicidade com que Beremiz, o homem que calculava, desvenda, de forma simples, complexos problemas de matemática. No decurso do ensino médio, acontece a terceira peraltice. Transcrevendo de O Homem que Calculava, apresenta este desafio ao professor de matemática.

– Professor, um pai deixou de herança trinta e cinco camelos para serem divididos, em partes iguais, entre os três filhos, de forma que o primeiro ficasse com a metade; o segundo, com um terço; e terceiro, com a nona parte. O professor coçou a cabeça e argumentou: a conta é impossível, pois resultado de cada operação gera quociente quebrado.

- Professor, o homem que calculava resolveu o problema. Como ele e o companheiro de viagem montavam um só camelo, propõe o seguinte: Pede permissão ao amigo que lhe empreste o camelo. Junta o camelo aos outros, perfazendo agora 36. E a divisão ficou assim: O primeiro recebeu 18 camelos, a metade, portanto do que o pai lhe determinou; o segundo, 12 camelos, conforme desejo do pai e ao terceiro, 4 camelos. Se somados 18 + 12 + 4 são 34 camelos. Dos trinta e seis sobraram dois. Um pertence a meu amigo e o outro cabe a mim pelo trabalho de desvendar o problema.

Mas João Pernambuco decide: – Vou ser doutor, doutor advogado. Cursa o ensino médio decidido a cumprir a promessa que fizera à mãe. Ingressa na faculdade de direito, faculdade pública. Durante todo o curso sempre se destaca como excelente aluno, principalmente na interpretação das leis. Desde o início do curso, dedica-se ao estudo das leis trabalhistas. Cola grau de bacharel em direito. Ao lado, Berenice, mãe e madrinha. Ela não cabia em si de tanta alegria: um filho doutor. João submete-se à prova da OAB, sobressaindo em primeiro lugar. Agora, era advogado de fato e de direito. Especializa-se em direito trabalhista. Ferrenho defensor dos direitos dos cortadores de cana-de-açúcar. Terceira peraltice de João Pernambuco. Fez jus ao nome mais uma vez: arrebentou na prova para Juiz. A partir de então, Berenice não mais empunha facão. Dedica-se também aos estudos. Faz-se professora. A sala de aula da guerreira está cheia de ex-companheiros do corte de cana.

Dr. João Pernambuco é destaque entre os colegas magistrados. Com mestrado, doutorado, hoje é professor da faculdade onde se formou. E Dr. João vai mais longe. Publica vários tratados sobre leis trabalhistas. Para Dr. João Pernambuco, “um homem não morre quando deixa de existir e, sim, quando deixa de sonhar”. (ONG MEU NOME NÃO TEM FIM).

Raimundo de Assis Holanda Holanda
Enviado por Raimundo de Assis Holanda Holanda em 24/05/2018
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