Reinaldo, Mário e Merceditas

No último 24 de maio, meu amigo e parceiro musical, Reinaldo Pereira de Souza, o Reinaldo “Rohr”, teria completado 66 anos. Nosso conhecimento vem desde a adolescência e, sob a influência de Beatles, Jovem Guarda e Bossa Nova, fomos criando um caminho musical bordejado de melodias que começam hoje a aparecer em cds e em clipes do Youtube. Nossa dupla foi o embrião de um grupo que se autodenominou “Quaternário”, depois que se juntaram a nós o Jonba Freitas e Ricardo Nazar.

Feito esse preâmbulo, caio de novo no presente e falo da falta que o Reinaldo me faz, quando se trata de música. Música para nós significava vida, alegria, era encontro, era reunião, em suma, felicidade. Sempre que eu descobria alguma música desconhecida e de qualidade segundo nossos conceitos, fosse MPB, música latina ou cantada em inglês, fosse balada italiana ou francesa, o primeiro impulso era pegar o celular e enviar a música para ele e pedir que aprendesse para a gente cantar em algum lugar. Porque o objetivo principal era cantar, cantar, cantar para espantar os males. Desde outubro de 2016, continuo com o mesmo reflexo, ligar pra ele, a ficha ainda não caiu de todo e só depois de algum tempo lembro que ele já não está por essas paragens: já está no andar de cima.

Uma das últimas dessas “descobertas”, no final de 2017, foi “Merceditas”, um chamamê de Ramón Sixto Ríos, músico argentino, que a compôs em 1941, sob o fascínio de um amor nunca retribuído por Mercedes Stricker, nascida em Humboldt, Santa Fé, Argentina. Ele casou-se com outra e, depois de viúvo, a procurou de novo, mas ela se manteve irredutível, deu-lhe um segundo cartão vermelho e morreu solteira. Em um depoimento a um jornalista argentino, na série de tv “En el camino”, Mercedes confessa que se arrependeu de não ter aceitado aquelas propostas de namoro e casamento. Em suma, não foi o amor com final feliz.

Mas essa é uma história que se encontra facilmente no Youtube e, agora, só serve de liga para a entrada em cena de um cantor e boêmio carioca, de origem francesa, que morou grande parte de sua vida em Foz do Iguaçu. Ali o conheci no começo dos anos 2000. Seu nome artístico era Mário du Trevor e “Merceditas” era uma das músicas de seu repertório mais solicitadas pelo público. Nessa época, fui apresentado à lendária composição, mas não me pareceu tão excepcional como me parece agora.

Mário passou algum tempo em Buenos Aires, onde aprendeu a cantar uma série de músicas do cancioneiro argentino, em especial alguns tangos de Gardel. “Merceditas” foi aprendida nessa época. Cheguei a Foz do Iguaçu em 2000 e logo comecei uma parceria com José Alexandre Saraiva, compositor, poeta, cantor e grande sanfoneiro. Essa associação gerou um samba-choro dedicado a Mário. É o “Tributo a Mário du Trevor”, música do Alexandre Saraiva e letra minha. Pouco tempo depois, saiu o cd “Canción del Água Cadente”, que, entre outras canções, incluía o “Tributo”, gravado por Dudu Constantinopoulos, outra figura da noite iguaçuense.

Sobre a razão do fascínio por esse chamamê, ritmo do norte argentino, sul do Paraguai e do Brasil, posso dizer que me encantou a singeleza e poesia da letra, o drama humano implícito, a riqueza da melodia e as suas muitas e diferentes interpretações em várias línguas, inclusive em português. Aliás, no Brasil a gravaram Renato Borghetti, Gal Costa e Daniel, entre outros. Pois bem, depois de ouvi-la e conhecer a história daquele amor infeliz, só queria aprender a cantá-la e, como sempre acontecia, o impulso era pedir ao Reinaldo para aprender logo a acompanhá-la no violão. Porém, como disse, a ficha custou a cair, ele já não está por aqui. Tampouco está o Mário, que faleceu há menos de dois anos e já não encanta as manhãs de sábado da Avenida Brasil em Foz do Iguaçu, vestido de terno branco e chapéu panamá.

Para acompanhar-me em “Merceditas” vou ter que encontrar um novo violeiro. Pode ser o Carlos Valença ou o Gustavo Gontijo, em Brasília, ou o Fabinho Freitas, pitanguiense radicado em Campinas. Ou o Afonso de Castro Gonçalves, poeta e compositor lá de Maravilhas, pertinho de Pitangui. É outro sonhador que está na mesma sintonia de toda essa turma. Quem se habilita?

Enquanto não encontro o parceiro para sair cantando “Merceditas”, Mário e Reinaldo, que se conheceram rapidamente em Foz do Iguaçu, devem estar trocando figurinhas - nessa época devem ser figurinhas da Copa do Mundo - no andar de cima.

William Santiago
Enviado por William Santiago em 29/05/2018
Reeditado em 12/09/2019
Código do texto: T6349873
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