As coisas boas da vida

AS COISAS BOAS DA VIDA

Estive hoje de manhã, terça-feira de carnaval, caminhando na beira do mar. O ar estava quente e a areia lotada de gente bronzeada e estrangeiros parecendo índios: pele vermelha. Fazia muito tempo que não me dava este prazer. Foi como reencontrar um velho amigo, que não via há uma eternidade. Não levei nada em minhas mãos. Vestia um maiô e uma canga. O chapéu do Ceará protegia meu crânio de uma insolação. O mar tinha ondas, mas não daquelas que os surfistas tantos gostam. As crianças brincavam de aprisionar a água em pequenos buracos. Ilusão da infância de que podemos confinar o mar em nosso espaço. Quando crescemos também fazemos como os pequenos e tentamos reter a juventude, a rigidez dos músculos, a pele lisa e os cabelos viçosos, como se disto, dependesse a nossa felicidade. Foi preciso passar por muito desgosto e decepção para aprender que as coisas que nos fazem felizes não custam dinheiro nem esforço. Reconheço que subir ao alto do Himalaia deve produzir uma enorme sensação de felicidade. Será mesmo felicidade? Não seria a sensação de vitória, de conquista, que envolveu o último sopro de oxigênio? Não seria a perseverança que inebria confundindo os sentimentos? Para este tipo de conquista, os atletas têm que ter preparo e estratégia para atingir o objetivo. No entanto, o que eu sentí hoje de manhã, caminhando na beira do mar, sentindo o sol nas costas e o frescor da água em meus pés, não precisou de planejamento, de longo treinamento e exaustivas repetições para atingir o objetivo. Ele foi atingido no momento em que não pensei em mais nada, além de usufruir aquele instante. As verdadeiras coisas que nos trazem felicidade são simples e tanto o pobre como o rico podem obtê-las. Lembro de ter lido um livro chamado “perdas necessárias”; talvez seja disso que ele fala: nos despojarmos do excesso; abrir mão do medo de experimentar o novo, o inesperado. Foi uma decisão momentânea de ir à praia, embora eu more a um quarteirão pequeno dela, no Leme. Ando muito até o caminho dos pescadores e fico apreciando o mar. A natureza me encanta, porque não precisa de mim para ser bela. Mas, ao mesmo tempo, ouço os físicos falarem que se os homens não fizerem algo drástico, o nosso planeta pode se tornar inóspito e a raça humana desaparecer. Eu falando de pequenos prazeres, simples prazeres, e a humanidade ameaçada de sobrevivência. Que contraste; que mau gosto falar de minha felicidade de caminhar na areia, na beira do mar, enquanto, com o passar do tempo, tudo isto que me encanta está ameaçado.

Me pergunto abismada por quê? Se é tão simples ser feliz, porque precisamos tanto destruir. Hoje em dia a imprensa tem mais lugar para a morte e destruição do que para o trabalho de formiguinha de algumas ONGs que se esforçam em oferecer esporte para crianças carentes. Dar a alguém a possibilidade de escolha é um caminho para a felicidade: o sorriso de uma criança, uma semente rompendo a terra, ainda um brotinho frágil; a gota de orvalho numa folha, as ondas furiosas quebrando na areia e invadindo a praia, nuvens cor de rosa ou, cinzentas, escuras, ameaçando temporal, tudo isso me serve de alimento para a alma. É como se eu fosse uma destas coisas; fizesse parte desse todo que está sendo ameaçado pelo próprio ser humano. Sinto esta ameaça pessoalmente e não vejo como impedir o seu avanço.

Assim é a Terra, esta nave espacial onde todos os seres humanos são passageiros. Ela acabou sendo colocada na posição de dependente de seus tripulantes e caminha rumo a... ao Zênit? Seja lá o que isso for. Destino? Não. Destino é algo pré-estabelecido e não modificável. Não acredito em destino. Acredito em esforço, empenho, decisão, objetividade, perseverança e, principalmente esperança. Esta é uma palavra que ajuda a encontrarmos a felicidade. Se compararmos a uma casa, diria que a esperança seria a porta de entrada. O átrio seria a fé; a crença em algo ou em Alguém Transcendente; não necessariamente Deus. Lí num livro de Santa Tereza d’Ávila que a nossa felicidade está no coração da nossa morada, do nosso castelo interior. É isto, no interior do ser humano.

Quem mora nas cidades litorâneas tem o mar à mão. Quem mora no interior, tem a natureza intacta, sem o toque destruidor do homem. Quem mora nas alturas, tem a temperatura agradável e a diversidade da vegetação. Quem mora nas baixadas, tem o calor da terra e da gente ao seu redor. No entanto, quem mora no alto sonha com o mar; quem está na praia sonha em escalar montanhas; o interiorano sonha com a cidade grande.

Hoje eu tomei uma decisão: eu sou feliz e vou continuar a ser feliz.

E você?

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 03/09/2007
Código do texto: T636768
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.