Ariovaldo andava cabisbaixo, tristonho, e não mais exibia aquele sorriso de trinta e dois dentes brancos e brilhantes, contrastando com sua pele negra. Os colegas se preocupavam porque ele sempre fora uma pessoa alegre, otimista e comunicativa. As músicas de Frank Sinatra, que ele assoviava enquanto montava os carros, já não eram ouvidas. Os amigos tentavam, de todas as formas, saber o porquê daquele mutismo, mas Ari, como era mais conhecido, desconversava. São os poblemas da vida, dizia ele que, embora falasse até relativamente bem, não conseguia pronunciar “problemas”. Só ele sabia da dor que o atormentava sem deixá-lo em paz ou o acordava suado de pavor, toda vez que consguia pegar no sono.
Um médico, disseram os amigos. Vamos obrigá-lo a conversar com o Dr. Gurgel que é um homem mais velho, com o qual ele vai acabar se abrindo. Afinal é pra isso que a empresa tem um médico. Ele deve estar com depressão, falou um deles, parece que está na moda essa tal de depressão.
Tanto perturbaram o pobre Ari que ele acabou marcando uma consulta.
- Qual é o seu problema, meu caro, seus amigos estão preo-cupados com você. Dizem que a empresa não é mais a mesma desde o aniversário da Rosineide. O que tem uma coisa a ver com a outra, meu jovem?
- O senhor quer dizer desde aquela noite fatídica. Ele havia aprendido aquela palavra e achou que era uma hora propícia para empregá-la.
- Por que fatídica, meu rapaz?
- Vou lhe contar, doutor. Eu estava paquerando a Rosineide há vários meses, mas como sou tímido, não conseguia levar ela pra cama. No dia da festa, doutor, depois de tomarmos umas e outras, fiz o pedido e ela concordou. Fomos pro motel eu e aquela deusa. Quando chegamos lá eu fiz tudo como vi num filme. Botei uma música, pedi duas caipirinhas – no filme era champagne, bebida de fresco – e fui tirando a roupinha dela. Fui delicado, falando baixinho e despindo a deusa dos sapatos aos brincos. Bebemos mais um pouco e eu a tirei pra dançar. Aquela música convidativa me excitava cada vez mais. Ela estava completamente “na minha”, doutor. O meu tesão era do tamanho do Maracanã e a expectativa era que o nosso time saísse vencedor, Mas aí, doutor, o “bonitão” aqui resolveu se encolher e ficou de um tamanho insignificante, virou pro lado e se retirou de campo, como um jogador contundido. Foi o maior fiasco de toda a minha vida! Aquela deusa negra de pé ao meu lado e ele dormindo ou se fazendo de morto. Ela foi gentil, disse pra eu não me preocupar, que aquilo acontecia.
- Não comigo, minha deusa, tenho que dar um jeito nisso. Fomos embora. Eu com aquela vergonha e com a obrigação de limpar a minha barra. Foi aí que eu conheci um cara do Paraguai que disse que podia resolver o meu poblema e me vendeu um comprimido me dizendo que era pra impotência. Comprei um. Sabia que apenas um resolveria o meu caso. Ele me avisou que o tal remédio tinha alguns efeitos colaterais. Eu confesso que não sabia o que era efeitos colaterais , mas ele disse que não era nada de muito importante. Podia dar uma dorzinha de cabeça ou uma leve diarreia, mas coisa pouca. Vou encarar essa – pensei. Se der dor de cabeça eu tomo um Doril; se der diarreia eu tomo um chá de broto de goiabeira e fica tudo resolvido. Mas aí é que eu me enganei, doutor! Convoquei a deusa outra vez. Ela tentou se esquivar, talvez para não me ver fazer aquele papelão outra vez, mas eu insisti. Era uma questão de honra, não? Depois de convencê-la peguei um Doril, um vidrinho com o chá e fomos para o mesmo motel. No meio do caminho eu tive um pressentimento. Achei que era o motel que, afinal, ficava na Rua do Bom Jesus e Ele devia saber que ela era casada e estava chifrando o marido. Pois bem, para encurtar a história, nós repetimos tudo. Dessa vez o meu amigo funcionou direitinho. De repente eu comecei a sentir o tal do efeito colateral. Quando a deusa, no alto dos seus gemidos disse que já estava quase gozando, eu me borrei todo. Não sei se foi o nervoso ou o comprimido. Não deu tempo de chá de goiabeira coisa nenhuma. Foi só o vexame, a desmoralização, o medo, o desespero e o cheiro terrível. Depois disso eu não consegui mais olhar pra ela. Depois disso eu só quero é morrer. Acho que nunca mais vou ter coragem de encarar uma mulher.
O Dr. Gurgel olhou bem para ele, segurou-o pelos ombros e disse: meu filho, isso tem solução, mas não sou eu quem pode lhe ajudar e sim um psicólogo. Aqui está a requisição para você marcar uma consulta, e estendendo-lhe o papel levou-o até a porta.
No dia da consulta o psicólogo passou mal e o substituíram por um estagiário, garotão que só queria saber de pagode e muita mulher. Estava ali para não ser deserdado pelo pai, um bicheiro milionário que o obrigara a se formar sob pena de deixá-lo sem um tostão. Ari contou todo o seu drama para o doutor que simpatizou com o cliente logo de cara.
- Meu amigo, o seu caso é grave. Não funcionar diante de uma mulher é pior do que passar férias no sertão nordestino. Eu vou lhe ser sincero: não tenho condição de curá-lo, mas tem um pai-de-santo aqui perto que é tiro e queda. É pra lá que eu mando os meus pacientes mais complicados.
Não sei o que o tal pai-de-santo fez, mas sei que ontem encontrei Ari e ele ia feliz da vida assoviando “I’ve got you under my skin”. Ari agora não toma mais remédio indicado por amigos. Só o toma se o médico receitar e, assim mesmo, lê toda a bula e fica sabendo se dentre os efeitos colaterais está a tal diarreia. Jurou que nunca mais vai pagar esse mico.
edina bravo
Enviado por edina bravo em 26/06/2018
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