CORONEL JUVENAL

( O texto abaixo foi revisado)

O sino da matriz, cedinho, repicava lentamente. A população da cidadezinha acorda e fica inquieta, interrogativa: quem terá falecido? De repente, a cavalo, um mensageiro anuncia aos quatro cantos da cidade o passamento do coronel Juvenal.

O sino da igreja, para os cristãos, principalmente católicos, tem um significado religioso e instrumento de comunicação. Ele anuncia o cerimonial da igreja: missa, terço, bênção do santíssimo, batizado. Para cada cerimonial um repique. Anúncio da morte de alguém, o repique é mais lento: blim, blim, blão, blão.... Foi esse repique que sobressaltou a população da cidadezinha.

Boa parte da população acorreu à fazenda do coronel Juvenal. É costume do povo do interior, principalmente nordestino, solidarizar-se com a família do morto. O velório é bastante concorrido: cânticos, rezas, incluindo, em certas horas, principalmente próximas ao sepultamento, ou seja, ao enterro, a reza das excelências, também conhecidas como sentinelas. “O rito constitui-se de três momentos principais, podendo ser realizado após a morte ou quando o estado do moribundo faz recear morte próxima: a chegada, quando se reza e canta saudando os donos da casa; uma parte intermediária que visa, sobretudo, despertar o desejo de arrependimento, ou, no caso de a morte já haver ocorrido, clamar a Deus pela salvação da alma; por último, a despedida, que se destina a ressaltar a saudade e o sofrimento dos que permanecem no pecado”. (Ewelter Rocha, Universidade Estadual do Ceará: Cantar Para Sofrer: Lamentos Fúnebres no Nordeste do Brasil).

As excelências ou incelências têm que ser cantadas por inteiro. Após iniciadas, não podem ser interrompidas, sob pena de o morto não alcançar a salvação.

O velório durou o dia todo. Parentes, amigos, conterrâneos marcaram presença. A viúva, refestelada em uma portona, recebia, de olhos lacrimejantes, as condolências. Enquanto isso as excelências, sob a coordenação de Maria das Graças, era entoada por mulheres e homens. Após a última estrofe do cântico, sai o féretro, não em carro mortuário, mas nas várias mãos segurando as alças do caixão. Enquanto isso, o sino continua o repique.

Quem era esse tal coronel Juvenal. Os pais chegaram ao povoado no final do século XIX, onde constituíram família. Ainda trazia com ela negros já alforriados. Com a morte dos pais, Juvenal tocou a fazenda.

O título de coronel remonta ao século XIX até meados do século XX. Esse coronel era adquirido por favores políticos, correspondente ao cabo eleitoral. O coronel mandava e desmandava, pois era possuidor de respaldo político de governadores.

O coronel Juvenal recebera essa honra de políticos. Era um homem, na visão de seus conterrâneos, bondoso, solidário com os que necessitavam. Assistia muitos deles, conseguindo médico; nas eleições, compra de votos corria à solta. E ai de quem não votasse no candidato do coronel. O voto de cabresto. O eleitorado era coagido a voto nos candidatos indicados pelo coronel. Inclusive, o coronel Juvenal, além da força política, dominava a força policial. O militar que não rezasse por sua cartilha seria transferido para outra cidade.

O nordeste brasileiro, principalmente, no presente, ainda traz essa marca etnográfica. Esse coronelismo toma outra feição, a partir da segunda metade do século XX. Continuam os cabos eleitorais; a compra de votos, haja vista os famosos caixas dois.

Daí a morte do coronel Juvenal ter sido lacrimosa, por outro lado, marcaria, de então, o advento de outro tipo de coronelismo.

Em 30 de junho 2018

Raimundo de Assis Holanda Holanda
Enviado por Raimundo de Assis Holanda Holanda em 30/06/2018
Reeditado em 05/07/2018
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