ANTES DE TUDO, UM FORTE

Ele é um sertanejo. As mãos calejadas pelo cabo da enxada, a pele ressecada pelo sol escaldante do nordeste fazem desse homem um personagem que atravessou vários Rubicões no decurso da vida.

A primeira travessia aconteceu ainda moleque, aos quinze anos, quando o pai foi assassinado drasticamente, traiçoeiramente por engano. Quem, dali por diante, cuidaria da mãe, viúva, inconsolada?

Ele é uma pessoa determinada, obstáculo algum é capaz de fazê-lo desistir de qualquer empreitada. Arregaça as mangas, vai à luta. A palavra indecisão não faz parte de seu vocabulário.

Os indecisos sofrem. Às vezes, a vida nos oferece oportunidades de crescimento financeiro, intelectual, social, mas, por medo, ou por nos acharmos incompetentes, despreparados, inseguros, não nos sentimos corajosos para atravessar o Rubicão.

“Alea iacta est”,( a sorte está lançada) proferiu estas palavras o romano Caio Júlio César, à beira do rio Rubicão. Seu desejo era entrar na Itália pelo lado norte. Se assim o fizesse, provocaria uma guerra civil em Roma. César recuou, pois sabia que, se atravessasse o rio, dificilmente voltaria vivo, pois o exército de Pompeu o massacraria inapelavelmente, além de transgredir a lei do senado romano que, para tal atitude, teria que ter autorização do senado. O romano não desiste do sonho, ele pensa grande. Enfrenta as tropas do general Pompeu, não se importando se provocaria uma guerra civil. Ele enfrentou obstáculos, dificuldades, mas o sonho foi concretizado.

Assim fez Emanuel. Assume os negócios do pai. Sabia ele que enfrentaria muitos obstáculos, muitas pedras atravessariam seu caminho, mas não era homem fraco, pois os fracos, ao primeiro obstáculo, desistem do sonho. Da plantação da mandioca, do milho e do feijão, consegue prosperar e dar o conforto necessário a ele e à mãe.

A segunda travessia acontece quando da perda da mãe, acometida de uma doença incurável, na época, sem diagnóstico preciso, o câncer de colo de útero. As lágrimas de dor escorrem pela face. Sente-se só mais uma vez. Ajoelha-se no quintal da casa, ergue os olhos e as mãos ao céu e reza ao criador, jurando: já atravessei a nado um rubicão até a margem oposta, o farei novamente, Senhor meu Deus, com sua ajuda. Ele é um homem de fé.

O sonho do sertanejo é ver sua agricultura mais produtiva, mais rentável. Como conseguir isso? Um técnico agrícola o aconselha a participar de um curso de orientação para o plantio da mandioca, do milho e do feijão. Um grande obstáculo, um novo rubicão atravessa à frente do sertanejo. Ele é analfabeto.

Mas ele deseja realizar o sonho. Frequenta a escola. Alfabetiza-se com seis meses de escola. Lê, palavra por palavra. Lê mais, muito mais. Um ano depois, está Emanuel na sala, colhendo os ensinamentos necessários à prosperidade de sua agricultura.

Hoje, produz milho, feijão e mandioca utilizando da mão de obra mecânica. Ao longe, vê-se a fumaça do trator preparando a terra para o semeio e colheita da próxima safra.

Como o romano Caio Júlio César, Emanuel não desistiu do sonho, mesmo ciente das prestações que pagaria ao banco, bem como a possibilidade de uma estiagem. Se isto acontecesse, como homem destemido, lutaria contra esse fenômeno da natureza.

Emanuel é um vencedor. Não comunga da filosofia do pessimista, em cujo bojo está a desesperança no futuro. Este homem habituou-se a encarar a vida pelo lado positivo, mesmo tendo consciência de que a luta para a realização de seus objetivos seja contínua.