Sobre o Medo

O medo é como aquele chiado interferindo no rádio de pilha. Você encontra uma música que adora, te faz lembrar dos melhores dias ou te abastece de esperança, mas tua mente não se desprende do limbo por conta dessa estática roendo a melodia. O medo é estático, o indivizível pavor de se perder.

Certa noite minha luz se apagou em plena lua nova, eu tive que jogar meu medo fora. E achei sensacional, pude experimentar todos os prazeres, tateando no escuro e moldando na sinestesia um mundo muito novo... Então clareou o dia e o orvalho sublimou-se levando consigo a chama do meu êxtase; veio aí minha maior descoberta.

Entendi que havia descartado minha antena, tudo agora era chiado. E foi tão fácil ver o medo nos teus olhos, nos olhos deles... Tornou-se um dom para mim captá-lo, dissecá-lo desde suas raízes até a ponta de suas folhas mortas. Hoje sei quando cada um vai fugir e sei porque se escondem - faço disso meu passatempo triste, como o faz um ébrio em talagadas de amargura e cinismo.

Cinismo é o que restou. Quando vejo alguém correndo de si próprio dou risada, sussuro em seus ouvidos palavras jocosas, verdades transitórias. Nada que me implique, ninguém vai ouvir, estou fora de sintonia e não sei mais cantar.