sobre anjos, intensidades e covardias.

Dessa vez ela não avisou que vinha. Ou talvez tenha avisado, não sei. De qualquer forma, sorri quando a avistei.

É sempre boa, a sensação de se ter um anjo.

Me chamou de poeta como sempre chamava, e embora eu a amasse ainda com o mesmo amor, minha alma não se aqueceu. Ela sabia que não era por ela. Ela sempre sabia de tudo e por isso estava ali. Passou a mão no meu cabelo e foi logo dizendo que embora soubesse que os problemas do mundo e os meus eram inseparáveis para mim, ela queria saber apenas de mim. Sem muita resistência como das outras vezes, deitei minha cabeça no seu ombro e, sem saber como ela conseguia aquilo, comecei a contar do quanto meu coração andava confuso e com medo. Como podia sentir falta de algo que nunca teve, de fato? Brinquei dizendo que, por lei, isso deveria ser proibido. E ela sorriu. Sabia do meu jeito de fazer piada para amenizar a importância do que eu sentia. Suspirei com uma pouca culpa, desta vez não era o mundo que me entristecia e me senti egoísta.

– Como é possível o pensamento ser algo inteiramente nosso, e não termos controle nenhum sobre ele?

Por mais que ela soubesse o que era, fazia questão de me fazer falar.

- O que a entristece?

- O fato de não conseguirmos parar de pensar em alguém que já não pensa mais em nós.

Ela apertou os olhos com meio sorriso. Me repreendia sempre que eu tentava ser impessoal.

- Quem a julga pelo tamanho das suas ondas, não merece conhecer todo mar que você é.

- O faltou coragem para mergulhar, não é mesmo?

Ela me abraçou com afeto e me entregou uma flor azul sem mais nada a dizer. Ela sabia o quanto isso me acalentava em horas que nada mais o fazia.

É sempre cura a certeza de se ter um anjo.

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 07/08/2018
Reeditado em 15/08/2018
Código do texto: T6412563
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