O TRIBUNO

Ruzivelt, este é o nome de batismo. Começa a falar cedo, antes de um ano. Aos sete, tagarela. Na escola, sobressai aos demais coleguinhas. Participa ativamente de eventos promovidos pelo colégio. Na escola, há atividades de oratória: recitação de poesia; leitura dramatizada; discurso. Em todas essas atividades, o jovem Ruzivelt é figura obrigatória. Destaca-se sempre. O menino nascera com o dom da palavra, dizem os professores.

Mas por que Ruzivelt? Homenagem a Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, pelos idos de 1933 a 1945. O escrivão do cartório registrou Ruzivelt, de ouvido. O menino quis conhecer a história do presidente norte-americano. Empolgou-se com a biografia do político.

Aos doze anos, imitava o presidente. Rascunhava discurso, e o lia. Aos dezoito, ingressa na faculdade de direito. Sempre obediente às normas da língua portuguesa culta. Leitor assíduo de Machado de Assis. Leu com entusiasmo a tríade machadiana: Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Na faculdade, presidiu o centro acadêmico. Nos discursos, sempre invocava frases de Machado de Assis: ”não levante a espada na cabeça de quem te pediu perdão”. Assim encerrava sua peroração, quando defendia o perdão a um inimigo, quando este se humilha.

Porém a leitura predileta eram os discursos do jovem causídico Rui Barbosa. Gostava da linguagem rebuscada de nosso grande jurista. Quando era instado a falar em público, o tom do discurso era eloquente.

- Meus senhores e minhas senhoras, deste púlpito, saúdo a todos vós, que me ouvis neste momento, em que me encontro impregnado da mais soberba lealdade ao estado de direito. Peremptoriamente não abro mão daquilo que minha consciência me dita. Do píncaro de minha inteligência, da minha ínclita razão, do âmago de meu ser, aqui estou, senhores e senhoras, honrando o capelo que o magnífico reitor impôs sobre minha cabeça. Dai em diante, desfilava rosário de frases hiperbólicas, metafóricas, pleonásticas, silépticas. Sempre iniciava o discurso, invocando o Águia de Aia.

- Não serei daqueles que, injustos, pregam justiça e, mais uma vez, evoca o grande orador: “de tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”, Rui Barbosa. Espero um dia, senhores e senhoras, jamais ter o direito de proferir essas palavras do grande orador sem jamais ter a consciência despida de honradez, pois honrarei sempre a mim mesmo e ao povo que em mim confia.

As pessoas viam neste jovem orador futuro político. E os comentários: este rapaz vai longe. Sabe tudo da língua portuguesa. O QI deste jovem está acima de outros. Esses elogios envaideciam Ruzivelt. E começa incutir nos momentos de reflexão o desejo de um dia ser um grande orador.

- Senti interiormente que poderei ser um grande tribuno, disse ele certa vez.

Na cidadezinha, onde nasceu, participava assiduamente das reuniões que a comunidade local promovia, com o fim de avaliar os problemas nas áreas de educação, saúde e segurança do município. De posse do microfone, com sua eloquência, era ovacionado pela turba que o escutava.

No país deste personagem, as intrigas políticas proliferavam. A oposição não aceitava o “estatu quo” e partiu para a derrubada do governante máximo. Houve traição, mas o governo era de coalizão. Nesse momento de crise política, Ruzivelt ocupava uma cadeira no senado da república.

- Não faço parte da oposição, nem de traidores, como afirmava sempre.

Nas sessões do Congresso, a refrega era pesada, desde murros até luta corporal. Em situações várias, o Congresso torna-se verdadeiro MMA(Mixed Martial Arts).

Empolgado com os discursos, passa a ler documentários sobre Roma antiga, a Roma dos césares. Lia com entusiasmo discursos de grandes tribunos, de eloquentes senadores romanos, dentre eles, Cícero, o grande orador. E Ruzivelt empolgou-se com a teima entre Cícero e Catilina. Luiz Sérgio Catilina, descendente de família nobre, armava com seus seguidores usurpar o trono do governo republicano de Roma. Catilina estava falido e, se conseguisse alcançar o feito, seu desejo era usufruir das riquezas da República romana.

Mas Catilina, no meio do caminho, tinha uma pedra. E que pedra!: o grande tribuno e orador Marco Túlio Cícero. O período desta peleja era o ano 63 a.C. Seus discursos eternizaram-se como as catilinárias de Cícero.

E o nosso letrado senador, em plena tribuna do senado, acusa o líder da oposição de traidor. Ele, na sua eloquência, inicia o discurso nestes termos de uma das passagens mais citadas, em latim, das catilinárias: “Quo usque tandem, Catilina, abutere patientia nostra”? E ele mesmo deu sua tradução: até quando, Catlina, abusará de nossa paciência? Até tu, Terêncio, que há pouco eras governo? Queres assumir a república para dela locupletares, em consonância com teus asseclas?

As palavras de Ruzivelt, no entanto, ecoaram, como se ele estivesse pregando no deserto. As forças traidoras se uniram e, em nome da democracia, prometem um novo país, sem inflação, sem corrupção. A partir deste momento, segundo os traidores, o país de Ruzivelt caminharia a passos largos rumo ao progresso.

A plebe, nas ruas, protesta, não aceita novo governo, a não ser eleito pelo voto. As ruas de várias capitais se enchem de bandeiras de cores variadas.

E o povo, sob a regência de Ruzivelt, vai às ruas e o consagra grande herói. No entanto, o eloquente Ruzivelt, decepcionado, frustrado pelo que apreendeu dos intestinos da política, nas eleições seguintes, exime-se de se reeleger e se consagra com a seguinte frase:

- Prefiro o cheiro de povo, contrariando aquele general.

Raimundo de Assis Holanda Holanda
Enviado por Raimundo de Assis Holanda Holanda em 21/08/2018
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