Addio Pavarotti! Addio Paolla!

Na época de escola eu era um menino que vivia no mundo da lua, onde, por sinal, para mim, é até hoje o mundo mais perfeito para se viver, diga-se. Apesar de não ver gente morta como o garotinho estranho do filme “O Sexto Sentido”, eu era soturno, calado, tinha uma postura completamente anti-social, condição que mantenho até hoje, de certa forma, não que tenha orgulho disso; ademais, tinha gostos e preferências atípicas para minha idade: dançava Kraftwerk like no one's watching , tinha prazer em explorar a história da monarquia britânica (Henrique VIII era meu predileto) e meditava ao som de Debussy.

Logo chegou a adolescência e, com ela, a paixão pela ópera, e o pior é que ninguém me induziu a ouvir esse tipo de música! A ópera automaticamente tornou-se a maior expressão de minha dor existencial que era tão comum naquela época de mudanças e paixões aterradoras.

Foi na adolescência que também conheci meu grande amor, Paolla. A garota era simples, uma descendente italiana, menina que com seus longos vestidos estampados com delicadas ramagens floridas trabalhava nas vinhas do pai abaixo de um sol escaldante o que, por fim, lhe acrescentava um tom brioso a tez extremamente branca. Ela era escandalosamente comum, falava tudo errado com um tom deliciosamente sensual, sempre gesticulando com vivacidade... Tinha o riso solto e pleno! Não entendia muito minha precocidade e minhas besteiras que denotavam pretensão intelectual, às vezes eu até percebia que ela não conseguia engolir minhas incomuns preferências, mas, no entanto, sempre educadamente e com um sorriso encantador nos lábios se predispunha a aprender comigo ou, pelo menos, fingia aprender, dizendo: "capisco" com aquela boquinha de pétalas.

Quando penso em ópera, logo me vem ela em mente, é algo indivisível... Mas não era qualquer ópera, não. Era a ópera cantada por Il Tenore Luciano Pavarotti, igualmente apreciado por ela. Recordo-me que quando apenas tinha um amor platônico por ela, escrevi um bilhete (que nunca foi entregue) com a letra de Nessun Dorma, de Puccini, o bilhete dizia assim: “Nessun Dorma! Tu pure, o principesa, nella tua fredda stanza, guardi le stelle, che fremono d'amore e di speranza. Ma il mio mistero è chiuso in me, il nome mio nessun saprà! No, no, sulla tua bocca lo dirò quando la luce splenderà! Ed il mio bacio scioglierà il silenzio che ti fa mia! Dilegua, o notte! Tramontate, stelle! All'alba vincerò!” Até hoje me emociono quando ouço a voz de Pavarotti cantando “All'alba Vincerò!”, parece que ainda sinto o sabor do primeiro beijo que demos... Dio!

Quando já estávamos juntos, mirando aqueles ternos olhos azuis que quase me faziam chorar de gratidão, sentia il amico Pavarotti soprar em meus ouvidos me fazendo ter vontade de cantar aos quatro ventos a aria Quanto è bella... : "Quanto è bella, quanto è cara, più la vedo, più me piace." ou então a canção Starai con me, que diz: “Poso i miei occhi su di te, solo respiro questo incanto, frammento di passione che sussura como il vento. Il tuo sorriso como il mio di certo sa igannare il pianto. Affascinato sono io, miragio di bel canto”. Realmente, nosso sorriso só enganava o pranto, e este não tardou a chegar, o inesperado aconteceu... Nosso pequeno romance fora proibido por seu austero pai e, a partir de então, nunca mais vi minha "miragem lírica". Não me restou nada a não ser cantar Ricordarte di me: “La mia piccola rondine partì, senza lasciarmi un bacio, senza una addio partì. Non ti scordar di me, la mia vita è legata a te. Io te amo sempre più, nel sogno mio rimani tu. Non ti scordar di me”.

Separei-me de Paolla, mas meu amigo bonachão continuou iluminando minhas noites solitárias, continuou me ensinando sobre o amor com sua voz lancinante e precisa. Sabe, não me importa se ele tinha ou não presença cênica, se ele era ou não extravagante, populista e excêntrico, se seus shows eram ou não pirotécnicos, se sua voz decaiu nos últimos anos, tudo, para mim, nessa figura antológica era maravilhoso. Tive a oportunidade única de ouvi-lo e vê-lo, acompanhado dos também brilhantes tenores e amigos Plácido Domingo e José Carreras sob a batuta soberba de Zubin Metha, em Los Angeles. Confesso que me arrepiei todo ao ouvi-lo cantar a mesma Nessun Dorma e até Aquarela do Brasil.

Hoje, dia seis de Setembro de 2007, mio fratello Pavarotti a morto. Quando, ainda ontem, fiquei sabendo que ele não estava bem, logo pressenti que o fim estava próximo, cheguei até a sonhar com a triste notícia de sua morte que, infelizmente, se confirmou. Mas, o mais curioso de tudo isso foi que, entristecido, hoje, fazendo compras num dos supermercados da cidade, de repente... Deparei-me com ela, a minha amada Paolla, anos após nossa separação... Ela estava bela como sempre, ou talvez mais ainda, agora que é uma mulher completa. O rostinho de formas retas e ainda sim delgadas antevisto entre os cabelos amadeirados expressava uma face inabalável, altiva, entretanto seus olhos brilhavam em exasperada contenção e os lábios levemente caídos lhe acrescentavam uma leve nota elegíaca. Não conseguimos trocar nenhuma palavra, embora tenhamos nos encarado por um bom tempo. Percebi que nossos corpos tremiam escandalosamente e nossas faces haviam se empalidecido. Ao retornar para casa, emocionalmente exaurido, liguei o rádio do carro e, naquele momento, meus caros... Eu chorei com todas as forças da alma! Chorei por Pavarotti. Chorei por Paolla. Pois, como se fosse combinado, a voz do tenor emanou dos alto-falantes, dizendo: “Un solo istante i palpiti del suo bel cor sentir! I miei sospir confondere per poco a suoi sospir! I palpiti, i palpiti sentir! Confondere i miei co' suoi sospir. Cielo, si può morir! ” Para minha surpresa tocava... “Una Furtiva Lagrima”.

Bravo Tenore, bravissimo!

Otto M
Enviado por Otto M em 08/09/2007
Reeditado em 29/04/2010
Código do texto: T644033
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