Memória

MEMÓRIA

Pedro Coimbra

ppadua@navinet.com.br

O prazer da leitura é sem igual, mas é diferente nos seus estilos: conto, romance, poesia, biografia, memória...

Veja este trecho da biografia de Cecília Meireles, que é a história da vida de alguém: “Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano”.

A memorialista, relativa à memória, à lembrança: “As dramistas de Guriú aprenderam, me ensinam e nos ensinam a engolir gota por gota com entusiasmo os versos do Gonzaguinha. Fizeram da vida algo mais do que tristeza, melancolia, repetição monótona de movimentos cotidianos e domésticos...Enfrentaram a dominação masculina que oferecia os peixes e os esperavam fritos dias após dia. Apostaram na alegria de dramatizar, cantar, dançar a possibilidade de momentos felizes de dramas; Viver e não ter a vergonha de ser feliz/Cantar a beleza de ser um eterno aprendiz/Eu sei que a vida deveria ser bem melhor e será/Mas isto não impede que eu repita/É bonita, é bonita e é bonita”.

Me apetece mais as memórias, quase diários. Agora mesmo me chegou as mãos um livreto quase artesanal, Os dois cadernos, de Geny Lopes de Carvalho. Que começa assim: “Vó Geny: Você me presenteou com seus dois cadernos. Páginas amarelas, capas soltas e vários rabiscos denunciaram o tempo e como nós, crianças e jovens distraídos, só víamos ali algumas folhas de papel.Nas curvas de sua caligrafia, conto por conto, descobri o tesouro recebido: suas memórias anotadas, sua intimidade revelada, um material não publicado no Valeu a pena e que vale muito a pena. Preciosidades que agora compartilho com nossos amigos e familiares. Os dois cadernos resgata suas lembranças e nos apresenta nossa história, com a narrativa de uma observadora que tem o mais puro encantamento pela vida. Te amo demais! Scheilla”.

Geni desenvolve a mediunidade - uma capacidade psico-física - transcende períodos imemoriais. Porém, a psicografia não é a técnica utilizada pelos médiuns para escreverem um texto sob a influência de um Espírito desencarnado.

São vinte e cinco textos: Ternura - “Fui a São João Del-Rei e conversei com diversos primos sobre a personalidade da vovó. Talvez a imagem que eu tenho dela não seja a real, porque eu somente ia para Vitória nas férias. Todos concordaram comigo, vovó era a ternura personificada. Ela casou-se com 13 de idade. Era comum vovó chegar em casa e encontrá-la brincando com a cunhada, trepadas nas laranjeiras, com as bonecas nos braços. Dizem que quando vovô viajava, perguntava-lhe qual o presente que ela desejava ganhar. Sua resposta era seguinte: ‘Uma boneca ou uma piorra’. Nosso teatro - “Com o passar dos anos a vida na fazenda foi se modificando. Meu pai morreu, mamãe casou-se com Guedes.Guedes colocou luz elétrica na fazenda e comprou um rádio. Para nós, os artistas, o rádio foi um sucesso. Passamos a imitar os cantores, esquecemos a nobreza e encenávamos as peças imitando as mini-novelas do rádio”.

As histórias de Os dois cadernos me encantam, principalmente O pôr do sol da vida - “Gosto muito do pôr do sol. Observando o final do dia com as nuvens ofuscadas e coloridas pelos últimos raios do sol, formando uma saia multicolorida e ondulada no poente, enquanto do outro lado as sombras vão se apossando do dia, as luzes da cidade se acendendo, as primeiras estrelas surgindo... Sentimos a confirmação do transformar, concluir. Nascer, morrer, renascer, desaparecer e surgir. A certeza de que mais um dia foi vivido. Análise das horas passadas, avaliação dos minutos e segundos. Recordar”.