Memórias póstumas de Tom... Sò Tom

O caixão descia devagar, lentamente, foi chegando ao fundo, sua mãe chorava muito (eles tiveram que mentir) eu não chorei, mas estava destruída por dentro, eu era uma criança indefesa, só tinha doze anos, ele tinha dezessete, ele tinha problemas maiores do que eu, ele não era, ele era.

“O que você faz só você pode fazer”, ele me disse na primeira vez que nos conhecemos, isso era uma sexta, quinta, quarta, não sei, mas foi um dia. Eu estava sentada numa mesinha de pedra, aquelas de tipo redondo que se vê em casas de praia, eu tinha acendido um cigarro, eu tinha doze anos, eu era uma garota sem pensamentos, minha irmã de quatorze estava cuidando do filho e eu odeio bebes chorando. Ele veio do nada, alto, não muito moreno, cabelos lisos e escorridos (tinha saído do banho) ele sentou do meu lado e falou a frasezinha mágica, eu olhei para ele , ele sorriu, tirou o cigarro da minha boca e falou: “Isso mata”.

Assim era Tom, seu nome verdadeiro era Antonio, mas ele não gostava, ele gostava de ser chamado de Tom, era nome de escritor, Tom não sabia escrever poesia, não era bom escritor, nem matemático, nem físico, nem nada, era só um que escrevia nada, para nada, com nada.

Tom era legal, me ajudava a pensar, meus problemas tinham a ajuda de Tom para serem resolvidos, eu não pude ajudar muito nesta época, Tom não tinha problemas (que eu saiba), Tom era doce, Tom era como se fosse um dia com nuvens, Tom era tudo que não existia porque não existia, Tom era um conselheiro, mas não era meu amigo, não sei porque.

- Você tem doze anos não é? – eu respondi que sim – Nova, novinha, terá muito tempo para pensar sobre tudo sabia?

- Tom, você nunca se apaixonou? – ele disse que não, não era à hora. Eu o imaginava, gostava dele, mas não seria sua namorada, não seria sua amante, não faria nada, não seria nada, não usaria nada, ele era meu psicólogo, ele era meu apoio contra suicídio, ele era um presente divino para mim mesmo era Tom, Antonio Matilda dos Santos, ele odiava seu segundo nome, mas ele amava o meu.

Eu tomava banho com Tom, Tom não se importava, me ensinava coisas, me mostrava coisas, me fazia sentir... Sabia que era errado, mas eu o seguia, eu que pedia, eu não gostava dele, meu professor, meu Cazuza, fazia parte do show dele, ele era o segredo por trás do codinome, ele era o código para beija flor, ele era algo, ele não era, seu nome era Tom.

Tom passa a amar alguém, seu nome era Mônica. Monica era legal, ela era bonita, muito ruiva, muito branca, com olhos muito azuis, Tom gostava dela como eu não gostava dele, ele a amava, ele a pegava de jeito, Tom fazia com ela o que fazia comigo, mas com amor não com amizade, Tom era um louco, Tom era inabalável, Tom queria um filho com ela, não comigo.

Monica morreu. Seu pai a matou, seu pai, seu pai, bateu o carro e ela alçou vôo entre o pára-brisa, ela morreu.

Tom morreu junto, Tom era branco agora, sem vida, Tom não falava mais comigo, Tom ficava em casa e só em casa, quis aliviar Tom, Tom não quis, Tom não tomava mais banho comigo, Tom não dormia comigo, Tom era só um fantasma, seus conselhos já não vinham, Tom já não dava risadas, Tom era um fantasma morto, Tom era nada.

- Ela estava grávida de dois meses - foi o que Tom disse em dois meses mudo.

O sangue do tom passou a ser feito de Heroina, o pulmão de Tom era Cocaina, o cérebro de Tom era Maconha, Tom era uma droga, Tom era um idiota, Tom se tornou aquilo que falou para eu não ser, Tom era um monstro que estava dentro de mim, Tom não significava nada para Tom mas significava para mim, eu estava solitária, Tom não vinha de noite, meus banhos eram solitários, Tom não me dava conselhos, Tom não ia para casa de Monica (ela morreu) Tom era Monica estirada na estrada com a cabeça fraturada.

Um dia, Tom estava na mesma mesa onde nos conhecemos, fumando um cigarro normal.

- O que você faz só você pode fazer – eu disse, Tom me olhou e riu.

- Você só tem treze anos – meu aniversário era em outubro, estávamos em abril – Você não sabe o que é...

- Perder alguém? Sério? Eu tinha um amigo chamado Tom, era meu conselheiro, meu grande amigo, minha transa fácil, meu professor mas ultimamente ele não soube andar para frente e ficou morto, ele morreu junto a Monica – seus olhos lacrimejaram nunca vi Tom chorar, nem no enterro de Monica.

- Mas...

- Vamos Tom, você sabe que isso não vai mudar, então volte e renasça, era isso que Monica gostaria de ver você fazer – eu ri e tirei o cigarro da boca dele – isso mata sabia?

Ele sorriu, conversamos o dia inteiro, e essa foi a nossa melhor noite, depois de isso tudo, dois dias depois fiquei sabendo do seu suicídio.

“Minha querida, sei que você será tão forte quanto eu, mas eu não agüento ficar assim, não foi por tristeza, nem porque Monica morreu, superamos tudo isto, ela esta morta e agora eu também, fiz isto porque quero conversar com ela também, fiz isto para responder aquela nossa duvida...

- Tom, o que vem quando morremos?

- Não sei, essa é a maior duvida do mundo, acho que só saberemos a resposta quando morremos e o mais irônico que não podemos contar para ninguém nossa descoberta – nos rimos, estávamos nus num campo verde parecido os do filme Senhor dos Anéis, estávamos rindo muito, estávamos acompanhados pela lua, estávamos trocando idéias, quem nos visse acharia que estávamos sobre efeito de drogas mas acho que dois livros de poesias do Carlos Drummond de Andrade não são drogas.

Terei a resposta em breve, poderei responder aquela pergunta, mas me prometa que só vira para cá bem velha, senão eu não te falo. Beijos do seu eterno amigo Tom,

Para minha eterna Macabeia...

Ele me chamava de Macabeia dês que leu o livro “Hora da Estrela” porque era uma mulher com muitas duvidas

De seu amigo, e brinquedo Tom”

Assim ele morreu, assim eu passo todos os dias uma hora no cemitério olhando para o ar, as coisas vivas, para o tumulo daquele filosofo inconseqüente que morreu. Assim eu passo sem pureza, sem amor, sem esperança, mas com idéias e lembranças. Não sou pura (eu só tinha doze anos da primeira vez) não sou romântica, não sou uma santa, mas sou eu, sou a Macabeia renascida, aquela que não morreu, aquela que esta viva, aquela que viu tudo e todos, onipresente com Deus, mas não sei das coisas (como Deus) duvido de tudo porque nasci para duvidar eu sou a duvida, eu sou a morte, eu sou a vida, eu sou Tom naquele caixão eu sou uma menina de doze anos que sabe o que fazer numa cama mas não tenho vergonha, o governo não liga para mim, sou pobre, não tenho o que negar, o mundo se escondeu sobre seu véu, sou pobre por que negar? Minha irmã chora toda noite porque tem que cuidar de uma criança e seu suposto pai fugiu, ela não sabe aproveitar da desgraça, ela não sabe que não sabe, ela é só um numero, só mais uma estatística ela só é um descuido ela é uma idiota. Tom passou seu liquido idealista para mim, Tom era meu cérebro, Tom era eu, sua alma estava em mim, Tom era eu, Tom era eu, Tom era eu.