E no programa de hoje...

- Boa noite São Paulo! No programa de hoje temos o caso de Cristina...- dizia o rádio.

A vida é injusta, era a única palavra que vinha na minha mente numa hora dessas. Meu carro novo capotou uma, duas, três, quatro vezes antes de cair numa ribanceira, meu estomago rodopia nesta hora e tenho vontade de devolver minha janta. O sistema de freio High-Tech deu problema e o acelerador prendeu isso é igual a uma batida a cento e trinta por hora. Não colocam isto nos comercias na TV.

- Temos o caso de Cristina, mãe de três filhos e foi abandonada pelo marido – dizia o rádio.

O socorro talvez demore um pouco para vir, esta chovendo, sinto a chuva molhar o carro que agora é uma bola de ferro contorcido. Minhas pernas estão presas nas ferragens mas consigo mexer meus dedos, isto é um bom sinal. O radio do carro ainda funcionava, no AM.

- Ele me deixou, ele era alcoólatra e vivia me batendo!

- Não é um caso triste da nossa querida Cristina – dizia o rádio.

Tinha fechado contrato com alguma empresa famosa de tecidos, ganhei carro e uma cirurgia dentaria, o que me vem na cabeça é: Qual a ligação entre roupas e dentes.

- E você sabe onde ele está agora?

- Não, não sei, e ele não paga a pensão dos meus filhos, eu não sei o que eu faço, eu não consigo emprego porque não tenho com quem deixar meus filhos – dizia o rádio.

Senti um molhado acima de mim, não era a chuva, era... Uísque. Parece que a garrafa quebrou e estava vazando encima de minha cabeça. Muitos diriam que sorte... Eu odeio uísque. Consigo virar um pouco, mas minhas pernas doem quando faço isso. Meu braço direito esta quebrado, da para ver bem a ponta do osso cortando minha carne.

- Qual o nome de seus filhos?

- Getúlio Vargas, John Lennon e Romário.

- Nomes de famosos não é?

-São? – dizia o rádio.

Alguém de uma casa próxima parece que chamou a ambulância, acho. A chuva engrossa um pouco e o chão nas minhas costas fica lameado, meu supercílio sangra um pouco.

- E quais as providencias que a senhora quer que nos tomemos?

- Quero pensão! – dizia o rádio

A ambulância chegara a pouco, a sirene tocava tristemente, junto veio os bombeiros. Os bombeiros cortavam as ferragens com uma espécie de serra, as faíscas voavam iluminando a noite toda, senti um alivio ao ver minhas pernas soltas de novo, um de meus joelhos quebrou.

- Correremos atrás de suas providencias dona Cristina. Quantos anos a senhora tem?

- Vinte – dizia o rádio.

A ambulância me levara, aquele carro branco com cheiro de caixão, aqueles médicos que colocavam a mascara de oxigênio em mim me deixando zonzo, não sofria de pulmão, a única coisa que me doía era a consciência de ter batido aquele carro novinho que os freios não funcionaram logo depois de um fechamento lucrativo de contrato onde se eu morresse partes interessada nos meus bens iriam ganhar fortunas mas, não é hora em pensar na teoria de conspiração, e hora de dormir.

- Esse foi o programa de cara com a verdade, um bom fim de noite e até o próximo programa, se Deus quiser. – diz o rádio antes de ser desligado pelo motorista da ambulância.