A CAMINHO DA URNA

Benjamim da Silva Miguel ainda não é eleitor porque só tem seis anos. Eleitores eram seus pais, que no último domingo decidiram voltar mais cedo para casa exatamente para chegarem a tempo de exercer o sagrado direito do voto no primeiro turno. A família comemorava o aniversário da mulher, Belkis, na Pousada do Rio Quente. Mas a viagem de regresso terminou no meio do caminho, quando o carro despencou num barranco matando o casal e o filho de oito anos.

Único sobrevivente, Benjamim só foi encontrado 48 horas depois, molhado e em estado de choque, no acostamento da BR-050. Dois dias e duas noites sozinho, no meio do mato, sem comer e sem beber, ao lado dos corpos dos pais e do irmão. Como conseguiu sair do carro e escalar o barranco ainda não se sabe. É nessas horas que até os mais incrédulos imaginam a mão de um anjo da guarda desafivelando o cinto de segurança (sem o qual ele não teria sobrevivido) e segurando sua mãozinha morro acima. Afastando os insetos em volta. Aquecendo o corpinho indefeso contra o frio da madrugada. Quem sabe – até mesmo – levantando seus braços no aceno desesperado para os motoristas na estrada, a pedir socorro, o olhar ofuscado pela luz alta dos faróis.

Como vai superar esse trauma no curso da vida é incógnita maior ainda. Perder toda a família e ficar no limbo por tanto tempo, sob o domínio do medo, nessa idade, é experiência que deixa marcas indeléveis, a merecer todo o cuidado dos outros parentes e empenho dos psicólogos.

Seis anos é quando a infância colhe seus melhores frutos. Escola, amiguinhos, presentes de aniversário, festa de Natal, passeios, parque de diversão. Tudo foi para o buraco naquele acidente. Naquele minuto fatídico. Infância deletada pela mão invisível do destino. Nem os gregos imaginariam tragédia mais pungente.

Tudo porque os pais decidiram trocar o domingo na Pousada pela oportunidade de votar. Alguém ficou sem dois votos. Não vão fazer diferença. Mas, para o menino Benjamim, o que vai fazer toda a diferença é a ausência dos entes queridos por toda a vida. Esse vazio impreenchível, maior que o universo. Em resumo, “o filho da felicidade” pagou um preço muito alto pelo exemplo de cidadania de seus genitores.

Diante desse golpe cruel, desproporcional até no mundo da ficção, o mínimo que o vencedor do dia 28 de outubro tem a obrigação de fazer – qualquer que seja ele – é um governo justo, honesto, transparente, como se estivesse vendo em cada eleitor o rostinho assustado daquele menino perdido na beira da estrada.

Até lá, em memória e respeito às três vítimas fatais, eu espero que os candidatos e seus seguidores façam uma campanha menos suja que a do primeiro turno.

#BenjamimSim.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 11/10/2018
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