Poucas palavras

Toda vez que o via, acenava para puxar assunto, afinal dava-me certo gosto papear com aquele senhor. Ele, na verdade, mal conversava. Mas as poucas palavras proferidas carregavam certa dose de sabedoria. Eu sentia que havia sempre o que aprender. Alguma coisa me acrescentava a sua presença. Então, eu me aproximava e fazia um contato banal, comentando sobre o tempo ou a temperatura, porque ainda não havia aprendido a linguagem do seu silêncio.

Ele por sua vez, sempre amável, sorria discretamente e respondia alguma coisa sobre o tempo de colheita de alguma cultura ou então sobre as tradições interioranas que me enchiam de satisfação.

As vezes eu falava desmedidamente. A princípio tinha a impressão que ele não estava tão interessado no assunto pois seus olhos vagueavam no espaço, mas como quem perscruta o precioso livro de grande sabedoria, pinçava algum ensinamento que, em seguida à minha fala, ele aspergia pelo ar como sublime fragrância de flores do campo.

Seria a idade avançada a razão daquela calma ou aquele velho corpo encerrava uma "velha alma"?

Uma vez o assunto foi se encaminhando para a filosofia e os olhos dele mostraram um brilho especial. Pensei imediatamente que ele citaria algum expoente grego ou um sábio oriental; talvez o Cristo ou até mesmo o Buda. Mas para minha surpresa ele mostrou-me uma carreira de formigas que seguiam na borda do canteiro da pracinha e falou-me do labor em prol da comunidade. Assim como as abelhas, as formigas não viam a comunidade separadamente delas. Observou que embora tenham funções diferentes, todas juntas constituem o formigueiro ou a colméia. Dito isso, ele se calou e continuou ali mais um pouco, silenciosamente a olhar o céu que, em tons alaranjados ia pintando uma bela aquarela na minha mente.

Ele se levantou e agradeceu-me a companhia. Saiu vagarosamente me deixando ali em profunda reflexão. Meus olhos o acompanharam até que a sua silhueta, lá no alto da colina, mostrou-me uma imagem perfeita da nossa unicidade com o espaço que acolhe silenciosa e amorosamente toda a biosfera desse planeta.

Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 29/10/2018
Reeditado em 29/10/2018
Código do texto: T6489143
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