O Ritual do Ovo ou Como ter seu próprio Diabinho
Certa vez, um homem viciado em jogo do bicho estava tão desgostoso com a vida e com as dívidas que resolveu parar. De vera. Confidenciou à esposa, procurou o padre e resolveu trabalhar para pagar o que devia. Não apostava mais nem um real em jogo.
Acontece que o Cão não gostou nada da história. Como assim, menos um escravo? Não, estava errado. E resolveu se mexer. Entrou no sonho do homem com um palpite tão bom, mas tão bom, só faltou esfregar o bicho na cara dele.
Ora, se até os anjos caem em tentação, avalie um homem. O palpite foi bom demais, o homem jogou. E deu!
O sertanejo ficou muito do satisfeito, a consciência nem pesou. Ofertou uma parte do dinheiro à igreja, julgando-se abençoado por Deus, ora, tinha ouvisto dizer que, na Bíblia, os homens de Deus interpretavam sonhos, então, ele era um.
O Cão ficou uma arara; "Ah, diabo do meu ódio, eu ajudo ele e os outros é que levam o crédito. Mas dextá." E seguiu com seus planos diabólicos. O homem sonhava, jogava e acertava.
Acontece que essa maré de sorte começou a despertar inveja no povo. Um camarada dele, jogador inveterado, pôs-se a persegui-lo com perguntas: "O que ele fazia para ter tanta sorte? Era uma reza? O livro de São Cipriano? Rapaz, o livro endoidava as pessoas, teve aquele homem que ficou com medo de pinto."
O sortudo, cansado de tanta perseguição, inventou uma fórmula cabalística para o amigo; fez cara de conspiração, arrastou o caboclo para um pé de parede e mandou o migué:
"Olhe, vou lhe contar meu segredo porque sou seu amigo: Crie uma galinha preta, toda preta. Não pode ter uma manchinha branca nas penas. Fique de olho nela; o primeiro ovo que ela pôr, o amigo enrole num pano preto. Em uma noite de quinta pra sexta, à meia-noite, vá sozinho a uma encruzilhada, enterre o ovo, tire a roupa e se espoje no chão que nem um jumento. Não diga uma palavra a seu ninguém. Com treze dias, vá lá e desenterre o ovo. A casca vai estar rachada e desse ovo vai sair um diabinho bem pequenininho. Guarde o capirotinho no bolso. Ele vai lhe dizer o bicho, o baralho, toda versidade de jogo."
O Cão, que andava por perto escutando a conversa, deu risada da engenhosidade do escravo. Ainda estava com raiva do mal-agradecido mas uma mentira é uma mentira, vá lá, foi divertido. Mas estava muito magoado. Ademais, ele já tinha se cansado, queria outra vítima. Resolveu ajudar o outro, o amarelo empombado de olho gordo.
E o homem de sorte, que antes tinha dinheiro para queimar tijolo, perdeu o que tinha e o que não tinha na jogatina. Ficou tão viciado que endoidou. Quanto ao amarelinho, se fez ou se não fez o ritual do ovo, só quem sabe é quem andava por perto escutando a estória.