DOUTOR FAUSTINO

PARTE I

O Contrato

Doutor Faustino é um grande técnico versado em Economia com mestrado, doutorado, vários livros e artigos publicados. Sonha pôr em prática os seus conhecimentos.

Entusiasta do Liberalismo Econômico o economista vem sofrendo há muitos anos com o descrédito das ideias liberais junto à maioria da população, presa fácil da influência de políticos populistas, sempre ávidos de poder.

O economista se atormenta com o avançar de uma situação caótica e progressiva que acometia toda a nação brasileira. Imperava o descontrole e os desequilíbrios de toda ordem.

Só havia uma forma de chegar ao poder para mudar o rumo das coisas: pela via do sufrágio universal. No entanto, sabia o quão difícil seria chegar ao poder sem contar com o suporte de um grande ou médio partido, principalmente com um programa liberal que busca a solução com a prescrição de remédios eficientes, porém amargos. O povo não gosta de remédios amargos. O povo adora remédios adocicados, pão e circo. Ora, prato feito para os inescrupulosos populistas, que oferecem o doce, o pão e o circo, mesmo sabendo das consequências deletérias.

As políticas de afrouxamento trouxeram como consequência para o país, a deterioração das suas finanças e da qualidade dos serviços públicos prestados. Qualquer descontentamento tem sido solucionado com mais engodo, mais endividamento, mais impostos e mais mentiras.

O Estado brasileiro se encontrava num verdadeiro caos. Sérios problemas, principalmente, nos segmentos da saúde, educação e segurança. Grassava, também, uma grande crise ética de perversão dos costumes.

O Doutor Faustino sentia-se impotente para conter ou alterar o caminhar dos acontecimentos. Vivia insatisfeito por ver progredir a desconstrução de uma ética que constitui a base moral da sociedade e que se formou com a sedimentação multissecular de uma tradição judaico-cristã.

A desconstrução provinha, também, da influência de forças internacionais que comungam com o pensamento do filósofo italiano Antônio Gramisci, que por meio dos seus escritos “Cadernos do Cárcere”, insuflou a esquerda em todo o mundo a substituir a luta armada como meio de promover a tomada do poder com vistas à implantação do socialismo, pela chamada “Revolução Cultural”.

Visa a referida revolução cultural destruir a civilização ocidental por meio de uma ação deletéria, sutil e vagarosa, no entanto, persistente. Orientava Gramisci que a esquerda deveria se utilizar dos educadores e outros profissionais formadores de opinião para destruir a cultura ocidental até que se atinja a condição de dominação cultural que ele chamou de “hegemonia cultural”. Essa desconstrução segue o seu curso, sorrateiramente, até que o Estado atinja uma debilidade tal que não resista à força dos revolucionários culturais.

O povo brasileiro, infelizmente, não detinha a percepção desse desmonte, que permanentemente ocorria de forma velada. Até mesmo a intelectualidade brasileira, que passou por um processo de modelação mental, não era capaz de compreender que estava sendo utilizada como um idiota útil. Boa parte dessa intelectualidade, sem se aperceber, trabalha no sentido de promover a causa gramisciana.

O economista sentia uma imensa vontade de enfrentar essa situação, mas se detinha em face das suas limitações. Estava certo que, se detivesse força e poder, venceria as adversidades e triunfaria frente aos obstáculos.

Faustino vivia inquieto. Sofria em face das suas limitações. Era um homem religioso, seguidor do evangelho, mas, algumas vezes, passava pela sua cabeça utilizar-se de uma força superior, qualquer que fosse, para combater a injustiça que se fazia presente no nosso dia-a-dia.

E bastou cogitar, simplesmente cogitar, para que, em sonhos, se deparasse com o “Senhor das Trevas”, o demônio. Ele tinha a solução para todos os problemas. Oferecia toda a riqueza e o poder necessário para que o economista cumprisse com êxito o seu desiderato.

Claro que havia um preço a ser pago: a sua alma, decorrido o lapso temporal de três décadas. O demônio povoou os sonhos de Faustino por três vezes seguidas. Chegaram a discutir os termos de um acordo.

- Os meus intentos destinam-se para o bem, talvez o Senhor Demônio não concorde – disse o Doutor Faustino.

- Claro que concordo – respondeu Satanás – pois, pouco importa o que fará com a riqueza e o poder que te darei. O importante é que na data aprazada me entregue a tua alma.

E Satanás tanto fez que terminou por firmar com a contraparte, contrato escrito à tinta-sangue.

Satanás, de imediato, deu ao Doutor Faustino a riqueza e os poderes para que empreendesse os seus propósitos.

Faustino é um homem lúcido e racional. Não é um Dom Quixote. Firmou contrato consciente do preço que teria de pagar e sabia que detinha o conhecimento e a competência necessária para mudar a realidade de um país fadado a juntar-se às fracassadas republiquetas populistas latino-americanas envoltas numa aventura autoritária, populista e demagógica.

Faustino, agora, detinha os meios: o poder. E trataria de utilizá-lo para atingir os seus fins: a construção de uma sociedade economicamente desenvolvida e, socialmente, justa e solidária.

PARTE II

Mãos à obra

Ao tomar posse na Presidência da República, o Doutor Faustino tratou de cercar-se de bons profissionais e pôr em prática o seu plano de ação. Listou as impropriedades, procurando diagnosticá-las; verificou os pontos de estrangulamento; traçou um planejamento estratégico; definiu as táticas e fixou um cronograma com metas factíveis.

Com o apoio do Congresso Nacional, fez uma reforma estrutural que implicou na aprovação de emendas à Constituição da República. Sancionou leis ordinárias importantes e assinou muitos decretos regulamentadores.

Equilíbrio é um princípio vital. Constitui a base de sustentação que orienta o pensamento do Doutor Faustino. É a estrutura que dá forma ao modo como o presidente orienta o seu projeto de gestão. Assim sendo, priorizou o equacionamento dos desequilíbrios de toda ordem, principalmente o fiscal.

A regra fulcral é: só se gasta o que se arrecada. Quando se gasta mais do que se arrecada, dá-se causa a um déficit que representa maior endividamento na forma de emissão de títulos públicos que implicam em desembolso e pagamento de juros no futuro. Portanto, não existe milagre: para regularizar uma situação deficitária é preciso aumentar impostos ou cortar gastos, costumava dizer o presidente. Como a carga tributária já era considerada extorsiva, não há de se falar em mais impostos.

Quanto à equipe de colaboradores ou gestores públicos, o critério utilizado foi o da experiência e competência. Tanto com relação aos órgãos da administração direta como da indireta.

No que se refere às Estatais, o presidente buscou profissionais experientes no mercado. As Estatais não mais serão feudos políticos. A regra é uma só – eficiência.

As exonerações fiscais foram reduzidas drasticamente e a indústria brasileira tratou de ganhar competitividade. O Estado, articulado com a iniciativa privada, ofereceu uma boa infraestrutura que somente avançou com a criação de marcos regulatórios que se apresentaram mais vantajosos tanto para o país como para os investidores nacionais e estrangeiros. Boa parte do abundante capital internacional rapidamente aportou no país, gerando um ciclo afortunado de prosperidade.

O país se abriu para o mundo, ampliou o comércio internacional e aboliu todos e quaisquer resquícios de natureza ideológica.

Quanto à educação, dela se extirpou o viés ideológico que pervertia os nossos jovens, e passou-se a preparar a nova geração com a aptidão necessária para contribuir para o crescimento e o desenvolvimento social, político e econômico da nação. Não demorou e o Brasil passou a obter “per saltum”, no âmbito internacional, as primeiras posições no rating da educação dos países com os melhores indicadores de qualidades.

Os indicadores econômicos também foram melhorando gradativamente. Crescimento cada vez mais acelerado do PIB; inflação em níveis aceitáveis, juros mais baixos, competitividade em alta; aumento substancial das reservas, superávit primário nas contas públicas; salto espetacular no número de registro de patentes e desenvolvimento tecnológico e de inovação etc.

Passaram-se três décadas. Doutor Faustino nem se deu conta do tempo decorrido. Foi uma surpresa quando o demônio lhe apareceu em sonhos para cobrar o cumprimento do contrato firmado entre eles.

PARTE III

Final

Satanás foi britânico. Chegou tão logo o relógio marcou três décadas. Mostrou o contrato escrito à tinta-sangue e anunciou o brocardo latino: “Pacta sunt servanda”, cuja tradução é: “os pactos devem ser cumpridos”. Assim sendo, veio cobrar o adimplemento da obrigação contraída.

O economista foi pego de surpresa. Não exatamente por falta de previsão contratual, mas porque já havia se acostumado a não pensar no dia fatal. E esse dia chegou tão rápido, desapercebidamente, pois os afazeres diários lhes distanciavam dos pensamentos atormentadores.

Brasil, quem te viu e quem te vê. As coisas mudaram da água para o vinho. A nação estava pacificada. O Estado ficou mais eficiente e conquistou o mercado externo (claro que o interno também). Mais emprego, portanto, mais renda que se desdobrou em mais consumo e mais investimento, que por sua vez decorre em mais crescimento. Restava evidente o efeito multiplicador dos investimentos realizados. Quem planta colhe, dizia o presidente.

A Saúde havia avançado como decorrência do desenvolvimento da ciência e da tecnologia: mais hospitais, mais leitos, mais equipamentos. Educação eficiente, com ética, respeito às crianças, aos mais velhos, aos deficientes e às minorias.

No interior do Brasil, depois da janta, as famílias que moram em casas simples, voltaram a colocar as cadeiras nas calçadas e se reunir, tranquilamente, para jogar conversa fora. Esqueceram, um pouco, da televisão.

O Brasil vive uma fase social e economicamente muito próspera. E não se trata de uma bolha, mas sim de uma situação estruturalmente consolidada.

Doutor Faustino durante esses trinta anos havia se dedicado com afinco ao bem comum e à prosperidade da nação. Esqueceu de si próprio, porque na sua mente só habitava um pensamento: a felicidade da nação brasileira.

Como passaram os anos, assim, tão despercebidos? Parece que foi ontem que o economista escrevera as letras escarlates que o levaria para o inferno. Mas iria feliz cumprir o seu destino, visto que havia proporcionado a felicidade a uma nação sofrida que parecia predestinada ao fracasso, na tentativa de impor uma ideologia autoritária, a exemplo de tantas outras experiências frustradas, sob a égide do fascismo ou do socialismo inconseqüentes. Dessas experiências que a história registrou só nos restou de herança muito sangue derramado, muitas vidas ceifadas por fuzilamentos ideológicos. Foram centenas de milhões. Quanta insensatez permeia o seio da humanidade.

Resignado, o economista do bem já se prepara para entregar a sua alma ao demônio, quando é socorrido pela intervenção divina.

- Não! Esta alma é digna dos céus – disse o Senhor Deus, criador do Universo. Não irá para o inferno. A prática do bem e da virtude não implicará numa condenação.

E foi assim que o diabo voltou para o inferno com o rabo entre as pernas.

DJAHY LIMA

DJAHY LIMA
Enviado por DJAHY LIMA em 31/10/2018
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