A Tília

No tempo em que ele era um homem, eu não conseguia me acostumar. Amava-o e odiava-o com a mesma intensidade, batia nele com as mãos, com os pés, com os afetos não ditos e as palavras mal ditas. Eu o mandei embora. E ele foi. Era um faz-de-conta, um erro consciente, um tempo que não volta mais.

"Não disse que não era amor?", fala dentro de mim A Voz.

Era pouco, eu sei, respondo no silêncio entre nós. Mas esse pouco era meu tudo. E eu o perdi. "Só perdemos o que nunca foi nosso".

Ele era meu amigo. "O amigo está do seu lado e gosta de você apesar de você".

Estou sofrendo. "E não estamos todos?"

Eu o amava. "Ai ai".

Eu me recuso a ocupar esse lugar em que os deuses, numa piada de mau gosto, me colocaram. Os deuses não mentem mas iludem, vendem quando dão, assim disse o poeta. Os demais se sentem privilegiados, até mesmo favorecidos, e se fartam e se embriagam na ilusão dos sentidos. Aqui fora sinto frio, confusão mental e solidão mas, acima de tudo, me sinto livre. A verdade dói mas liberta. Meus olhos se abriram. Não havia claridade. A névoa espessa encobria a estrada no entanto caminhei. Não muito distante um amigo chorava a perda da filhinha morta. Guardei minha dor no alforje e fui ao encontro dele, levando uma canção para alegrar o seu dia e palavras carinhosas para confortar seu velho coração cansado. Nada se via e nada se ouvia na solidão daquela madrugada.

Mas eu sentia, e com os olhos do espírito, eu via uma majestosa tília plantada na margem da estrada...

Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 24/11/2018
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