Papo de Boteco 



Nos últimos tempos, o brasileiro vem copiando cada vez mais os hábitos e a cultura não só dos norte-americanos, mas dos irlandeses, ingleses, mexicanos, japoneses ...  
Nosso 'SALDÃO' agora é em novembro e se chama: 'Black Friday', que mesmo tendo Friday na divulgação, ocorre todo Monday, Tuesday, Wednesday e por aí vai  até a vespera do Natal. O papo nosso de cada dia regado a bebida agora tem horário, sempre após o expediente de segunda à sexta e é conhecido como 'Happy Hour' que acontece no boteco que passou a ser chamado de pub. Adolescentes não se encontram mais para tomar sorvete ou comer pizza nas Lojas Americanas, mas para tomar latte macchiato, ou cappuccino, e petiscar um bolinho chamado brownie. O nosso gibi está perdendo leitores para os comic books e mangás. Se não abrirmos os olhos, nossa cerveja em breve será da cor verde e passaremos a ser devotos de São Patrício ao invés de São Jorge. Já imaginou? O Corinthians com a imagem de Saint Patrick cujas vestes são verde! Seria o fim para a nação Corinthiana. OMG!
     
Os papos nossos de cada noite no boteco da esquina ainda rolam, mas o ambiente está globalizado, pelo menos aqui em Joinville.
A cidade, cotada como a Segunda 'Melhor Cidade Para Se Viver No Brasil' em outubro de 2015, abriu as portas para os haitianos e venezuelanos, sem contar os inúmeros brasileiros que vêm dos quatro cantos atrás de educação universitária e cursos técnicos, além de emprego e qualidade de vida.
É realmente uma mistureba de gente, idiomas, sotaques e culturas num lugar só nas noites joinvilense.
Semana passada, uma noite qualquer, fui à um bar temático com minha amiga, Raquel. É um bar mexicano bem conhecido que serve, segundo os meus amigos e alunos, a melhor Tequila Sunrise da cidade. Quem sou eu para avaliar se nem sou chegada em bebidas alcoólicas? Mas posso dar o meu parecer da guacamole que é um verdadeiro manjar dos deuses.
À certa altura daquela noite, um sul africano bem apanhado aproximou e cumprimentou minha amiga que foi logo nos apresentando. A noite estava bem agradável e com a chegada do Paul ficou melhor ainda.
Conversamos sobre quase tudo numa mistura de português com inglês, algumas pitadas de expressões africanas, boas doses de mimica e muitas caras e bocas. O papo fluiu de boa enquanto deliciávamos tortillas mergulhadas em guacamole. Num certo momento, minha amiga Raquel fez cara feia e sussurrou: 
"Como o pessoal daquela mesa perto da entrada fala alto. Com certeza não são daqui".
Pessoalmente, achei o comentário da minha amiga desnecessário, mas a noite não seria a mesma sem um parecer da Raquel. 
O Paul não olhou naquela direção citada pela Raquel, mas discretamente apontou para uma outra mesa e disse:
"Como aquele pessoal é quieto, não é mesmo, Raquel? Será que são daqui?"
Raquel olhou e respondeu: "Hummm ... Devem ser daqui mesmo. São bem quietinhos. Ou devem ser de algum lugar do Paraná ... ou Rio Grande do Sul".
Paul então deu uma boa olhadela nas duas mesas e disse:
"Onde nasci, Raquel, falamos em voz alta sobre tudo e todos. Damos risadas bem altas. Chamamos à atenção das crianças em voz alta. Cantamos e rezamos em voz alta. Damos oi em voz alta e despedimos aos berros. E sabe por que, amiga?"
"Nem imagino, Paul".
"É que não guardamos segredos. Quando falam em voz baixinha, africano desconfia que essa gente tem segredos e isto não é bom".
Ainda bem que não falo tão baixo e quando dou risada é com muita vontade.
Após as palavras do meu mais novo amigo, Paul, soltei uma bela gargalhada enquanto a Raquel ficou a pensar com seus botões.  
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 26/11/2018
Reeditado em 27/11/2018
Código do texto: T6512249
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