A Mesinha de Centro

Lembro-me de quando era criança e as coisas mais insignificantes me chamavam a atenção. Era a mais nova, como dizia Cora, "eu era triste, nervosa e feia". Um raio de sol pintando cores a partir de um brinco, o índio na embalagem do fumo Tabajara que o vô gostava de mascar, a figura imemorável da lata redonda de manteiga que a mãe fazia de lata de linha. Dentro dela, tubos de linhas, agulhas e os lindos, mágicos botões. Tão diferentes em formatos porém com a mesma utilidade. A mãe costurava, tinha uma máquina velha de costura que herdou da mãe dela, minha avó. Lembro-me de ver, a partir do meu lugar no chão, os pés de minha mãe fazendo a máquina girar, pra frente, pra trás, num ritmo ininterrupto acompanhado pela música que subia pelas cordas e rodava aquela roda curiosa que, por sua vez, fazia a agulha descer e subir muito rápido para que eu me desse conta. Eu me ocupava dos retalhos. Vermelhos, azuis, brancos, da tessitura deles, de como era macia a seda pura, dava vontade de fechar os olhos e deixá-la escorrer pela pele, como uma estátua encoberta no momento de ser desvelada. E viajava nas paisagens improváveis. A mesinha de centro, era linda demais porém não ocupava o centro da sala sem mobília. Ficava a um canto, com o filtro em cima. Mais de uma vez quebrei os filtros de barro. Como era doentinha, raramente brigavam comigo. Sangrava pelo nariz. Tinha erupções na pele, alérgica a muriçocas. Comecei a andar com três anos. Tinha medo de tudo, já lhes falei sobre isso. Temia as telhas da casa, as formigas, os galhos das árvores. Era assustador estar sob uma delas e olhar para cima. Hoje, adoro árvores, principalmente as retorcidas, antigas. Em minha fantasia, dentro delas habitam as dríades mas estou fugindo do tema: a mesinha de centro.

Era retangular, baixinha, ideal para um chá da tarde com as amigas que eu não tinha. Amarelo-clara, de pés marrons. bem feitinha, um amor. Motivos chineses. Naquele tempo eu não sabia o que eram os pagodes, os kanjis, os amigos de olhos fechadinhos e mãos unidas dentro do quimono. Um vestia azul; o outro, vermelho. Esta imagem mental é como um velho desenho que com o tempo vai se apagando. Antes que se apague de todo, quero deixar por escrito o meu bem-querer àqueles amigos chineses sempre risonhos para a menina enxovalhada que um dia eu fui.

Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 02/12/2018
Reeditado em 08/12/2018
Código do texto: T6516892
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