É PRECISO SABER VIVER

Quando olho uma criança procuro visualizar nela a criança que eu fui. Percebo que as diferenças são poucas, apesar da época e das décadas passadas. A criança ver o hoje como o ‘agora’, tudo é muito intenso e ela tem pressa. Tem pressa para receber, tem pressa por fazer, tem pressa para o ‘acontecer’. Se receber a promessa de que vai passear à tarde, ela acredita que pode apressar o tempo para que o depois venha ser a realidade do agora. É interessante.

O adulto tem pressa porque tem seu tempo acumulado por coisas, situações, problemas, etc. Corre para resolver; derrama suor, sente dores no corpo, na alma e outras mais, que não sabe denominar. Ele sofre por não conseguir ter dez mãos, duas cabeças e por não ter o poder de esticar o dia para assim concluir as pendências.

Chega o final de ano. Fez muitos projetos, idealizou, lutou, empurrou com a barriga e se frustrou. Escalou montanhas, venceu desafios, fez descobertas, abriu portas, andou por terras estranhas. Caiu, levantou. Deitou com o corpo dolorido e cansado Desejou que o dia tardasse raiar. O lençol ficou curto e a cama estreita. O problema não estava nos objetos, mas na carga emocional que carregava na mente. Porém, conseguiu chegar os últimos dias do ano de 2018.

Todo ano costumo fazer uma lista de desejo, planos para o ano vindouro. Para o Ano que vai nascer decidi deixar acontecer. Viver cada dia, receber cada raio de sol como se fosse o último porque descobri que perdemos tempo com tanto planejamento e idealizações, mas na maioria das vezes deixamos de viver. Viver o hoje, viver intensamente com as pessoas que amamos e desejamos que estejam ao nosso lado. Não vou viver sem responsabilidade, mas com intensidade.

Estender por mais tempo o olhar para quem está ao meu redor, porque de um momento para outro alguém pode não mais estar aqui. Por esses dias vi um jovem de 20 anos, cheio de vida, muitos amigos, saúde e alegria saindo pelos poros. Sentiu uma dor. Os médicos deram-lhe Dipirona, pois acreditavam que era uma crise renal. As dores foram ficando intensa, voltando ao hospital recebeu o diagnóstico: apêndice estrangulado. Cirurgia. Veio pra casa feliz da vida. Mas algo estava errado. Não conseguia se alimentar. Dores, vômito, internamento, UTI. Novos exames, outra cirurgia. Cinquenta e dois dias depois a família estava velando seu corpo.

Olhando para o corpo daquele jovem vi sonhos rasgados, enclausurados, destruídos. A vida é um sopro e infeliz é aquele que acredita ter o poder de detê-la para si.

Ione Sak

28/12/19

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 28/12/2018
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