CRÔNICA DO PODEROSO CHEFÃO

Cheguei em casa junto com o sol nascente, abri a porta com a mesma chave que usei no bar para abrir as desgraças do meu coração. O velho despertador aos gritos nem se apercebeu que eu estava vestido de desempregado. Trôpego ainda, pus o dedo frente ao meu lábio bicudo e pedi:

- Sssssssss... silêncio ai meu. – Mas o velho relógio só entendeu o pedido ao colidir com a parede, e me reconheci nos pedaços do velho amigo despertador dos dias bons. Ajoelhado, peguei uma caneca e comecei a chorar a fim de juntar água para meu primeiro desempregado café.

Lembro-me que a dois ou três anos demiti um funcionário e olhando no fundo dos meus olhos ele disse que eu ainda comeria o pão que o diabo amassou, talvez esse dia tenha chegado.

Dediquei trinta dois anos a empresa que por um sem número de vezes chamei de minha. Tratei funcionários como animais, humilhei na frente dos clientes, demiti e admiti quem eu quis, tudo para que soubessem quem mandava. Gastei noites da minha vida conferindo tudo para não ser pego em nenhuma auditoria, e assim foi. Fui sempre o primeiro a chegar e último a sair, férias nem pensar, abri mão de ter uma família, sempre odiei passeios do tipo uma praça, mulher, crianças chimarrão, cadeiras de abrir. Não, sempre gostei de trabalhar muito.

Consultoria, foi isso que tirou meu chão de trinta anos. A empresa contratada conclui que o meu estilo “linha dura” não servia mais. Eu que sempre me achei quase dono, nem me apercebi que nunca passei de um número de matrícula, e só entendi a demissão duas garrafas de whisky depois. Sei lá, nem sei se existe vida após a rescisão de contrato.

Brandt Acosta
Enviado por Brandt Acosta em 15/09/2007
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