Seu Nome É Aventura

Uma amiga, dessas inventadeira de traquinagens, do tipo que tem bicho carpinteiro, marcou um almoço de encerramento para o grupo exatamente no dia 27 de dezembro último. Não que todo mundo concordasse, apenas meia dúzia se dispôs a ir e eu entre essas, pois a maioria, nesta época do ano tem outros mil compromissos. Íamos almoçar a beira mar, num lugar paradisíaco, na orla da Lagoa da Conceição.
Levei comigo uma das integrantes a quem sempre dou carona quando vamos juntas para o mesmo lugar. Com 89 anos completados no último mês de novembro, do tipo que topa qualquer parada, deveria ter sido batizada por Aventura.
Só gostaria de lembrar que moro no lugar onde todo mundo passa as férias, um dos mais lindos e cobiçados do Brasil.
Uma das amigas que estaria no restaurante marcado para o almoço e que mora naquela região, fez o favor de nos avisar, via wattsapp, que o trânsito estava ruim, muito ruim.
Ah, mas conhecendo o lado um tanto quanto pessimista dela, não levei muito a sério.
Havíamos marcado o encontro para o meio dia, saí de casa às onze horas, afinal, uma hora para chegar no interior da ilha, mesmo com trânsito lento, dando o desconto de mais uns quinze minutos de atraso, estava de bom tamanho.
E fomos nós, confortáveis no ar condicionado do carro, papeando feito duas cacatuas nervosas, eu bebendo do conhecimento daquela mané de raiz sentada ao meu lado. A cada bairro pelo qual passávamos no caminho eu ouvia uma história, tecia comentários, aprendia alguma coisa, afinal estava acompanhada da história viva.
O trânsito fluía a frente e atrás, sem empecilhos. Até que, em determinado ponto crucial, começou a ficar lento. Tudo bem, havíamos feito metade do caminho já. E fomos indo, devagar e sempre, animadas, acostumadas que estamos com isso.

Então parou e a coisa começou a se avolumar à nossas costas. E pior, estávamos paralisadas exatamente num lugar onde não há retorno. Trancadas em meio ao mar de carros, não tinha nem como dar um migué e voltar, pois foi bem isso que pensei em fazer. A perspectiva de passar metade da tarde dentro daquele carro, com aquele lindo dia lá fora, não era nada animadora. O mar de verdade não estava longe, mas parecia que não chegaríamos jamais até ele.
Surfistas passaram por nós com a prancha na cabeça, famílias inteiras indo pelas calçadas carregando suas cadeiras de praia, crianças com seus baldinhos e pazinhas, até os cachorros passeavam despreocupados na tarde que principiava. A gente ali, imprensadas com carros a frente, atrás e pelos flancos.
Um pouco na frente de onde estávamos, dobra-se a esquerda para chegar até a ponte das Rendeiras que atravessa o canal da lagoa para o outro lado, mas estava perdendo a esperança de chegar em tempo para almoçar. Então achei a solução para nosso dilema e minha acompanhante, animada, concordou que era exatamente aquilo que deveríamos fazer.
Calculei estar a mais ou menos um quilômetro do restaurante. Entrei na rua em frente a curva, deixei o carro estacionado, com a graça de Deus, na sombra de uma árvore, e agradecida por ter encontrado um bom lugar, saímos a pé debaixo de um sol de trinta graus e caminhamos até o restaurante onde todas nos esperavam.
Algumas porque saíram de casa muito cedo, outras porque pegaram caminhos alternativos e nós duas porque atravessamos a ponte a pé com a benesse de poder admirar toda a bela paisagem de um dos lugares mais bonitos do mundo, afinal, por onde jamais havíamos passado andando antes, e eu, acompanhada de dona Aventura, a mais diligente das caroneiras que me dava mil informações sobre o trajeto. Olhamos as vitrines pelo caminho, compramos canga indiana redonda, negociamos, conversamos e aprendi mais um pouco.
Sobre a ponte havia uma brisa maravilhosa, o mar estava mais azul que nunca, fizemos uma boa caminhada, ida e volta, a comida estava ótima e a conversa com as amigas imperdível, apesar de termos chegado mais de duas horas após nossa saída de casa. Quem mora na parte continental da ilha, onde moramos, também temos ótimos e belos lugares para sentar, comer e olhar o mar, afinal, como já disse antes, moramos no paraíso.
A colega que teve a formidável ideia de marcar conosco ali certamente foi com as melhores das intenções, entretanto, cogitamos executar uma vingança cruel e sangrenta contra a dita cuja para que ela nunca mais tenha ideias de jerico na vida, principalmente nesta época do
ano...mas certamente ela as terá em outras épocas, porque é mestra nisso.
 

Roseli Schutel
Enviado por Roseli Schutel em 24/01/2019
Reeditado em 09/10/2022
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