AMOR, UM AZAR.

AMOR, UM AZAR.

Silvia e Júlio jamais poderiam ficar juntos. São extremamente desastrados e azarados. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, a menos que os dois chegassem atrasados no mesmo local. Silvia na zona norte, Júlio na zona sul,perdem o ônibus que os levaria para a entrevista no centro da cidade.

20 minutos depois,passa o ônibus de Silvia e o de Júlio.Os dois deixam cair 10 centavos e imploram ao cobrador que o deixem passar pela catraca. Não há lugar pra sentar nem pra Silvia nem pra Júlio.

Começa a chover e ambos se dão conta que esqueceram o guarda-chuva, isso porque nos dias de sol sempre andam com ele. Descem do ônibus e seguem molhados a caminho do edifício. Sim,um carro jogou uma poça d’água em ambos. Chegam assim que o elevador se fecha.

-Não acredito, droga!-disseram os dois no mesmo tempo.

Júlio observa aquela mulher pequena, de cabelos pretos e uma franja mal cortada, ela está com os sapatos encharcados: -Você está indo pra WM corporation?

- Estou tentando!- Silvia também o observa, ele está engraçado de calças molhadas, mas que de certa forma, combina com os cabelos partidos pro lado direito e o óculos com uma alça colada com esparadrapo

JÚLIO- Você vai chegar nesse estado?

SILVIA- O senhor também está muito mal para uma entrevista de emprego. Ah,dane-se, acho que já fui eliminada, estou atrasada.

JÚLIO- É, eu também.

-Perdi o ônibus- dizem novamente ao mesmo tempo.

Júlio pensou que tudo poderia ser uma coincidência se não soubesse que isso é tão comum pra ele. Silvia também pensou.

O elevador chegou, os dois entraram com mais algumas pessoas. Trocaram olhares tímidos.

Décimo terceiro andar e uma recepcionista antipática masca chicletes e digita ferozmente num teclado.

SILVIA- Desculpa, sei que estou um pouco atrasada... (sim, como sempre).

RECEPCIONISTA- Se veio pra entrevista, desiste, todos os candidatos já entraram no RH e já estão fazendo a dinâmica de grupo.

JÚLIO- Mas será que não podemos entrar e justificar?

RECEPCIONISTA- Estão vendo o aviso na parede, queridos?

Os dois olham pro aviso onde está escrito “candidatos atrasados não serão aceitos”. Os dois se olham e dão um longo suspiro.

-Agradeço a falta de vontade de trabalhar enquanto tem tanta gente precisando de um emprego. – disse Silvia depois de dar uma bufada selvagem.

-Nada, foi um prazer!- disse a recepcionista mascando chicletes e sem tirar o olho da tela do computador.

Júlio e Silvia pegam o elevador e se despedem na saída do prédio.

-Sabe, se eu não tivesse certeza de que pra mim tudo isso é tão normal, eu acharia que tudo foi uma conspiração do universo para nos encontrarmos.- disse Júlio.

- Pra mim,tudo isso é normal. Mas nos encontraríamos de qualquer forma. Se chegássemos no horário, estaríamos juntos no grupo. Ou seja, nada atípico. –disse Silvia, mesmo sabendo que queria que tudo isso realmente fosse sorte.

- De qualquer forma,foi prazer- disse Júlio.

- Igualmente. Ah, eu não me apresentei. Meu nome e Silvia- disse ela, pensando que estendendo um pouco a conversa poderia aproveitar mais um pouco do momento de sorte.

- Meu nome é Júlio!- disse ele esperando que no fundo houvesse uma ponta de esperança de que tudo não fosse apenas coincidência.

Seguiram e não se deram conta que o azar às vezes vira sorte no momento em que estamos mais distraídos e, talvez por isso ou exatamente por isso, o deixamos passar.

Júlio ainda olhou pra trás e viu Silvia chegando na faixa de pedestres bem na hora que o sinal fechou. Ele também viu que o ônibus que o levaria pra casa tinha acabado de passar. Eles se olharam mais uma vez e se perguntaram se toda essa simbiose era apenas fruto do acaso. Entenderam que era mais fácil viver com a certeza que sim e então, se perderam de vista e talvez nunca mais tenham se visto.

Elmo Férrer
Enviado por Elmo Férrer em 27/01/2019
Reeditado em 27/01/2019
Código do texto: T6560522
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.