As Três Fronteiras - Ciudad del Este além da "muvuca"

Como disse em crônica anterior, o Paraguai e Ciudad del Este não são apenas aquele curioso, perigoso, confuso e caótico centro de compras em Ciudad del Este, a que chamamos "muvuca" em crônica passada.

Ciudad del Este, depois que acaba o centro de compras, é uma outra cidade, onde o comercio abre às 8 fecha às 18 horas e não como na "muvuca", onde por volta de quatro horas das 16 já não se encontra nenhuma loja aberta. É que esses pontos de comércio não vivem só dos brasileiros e outros turistas em busca de importados. Para chegar a essa outra Ciudad del Este, basta você se afastar um pouquinho apenas do centro, subindo, por exemplo, a Av. Adrian Jara até o alto, coisa de 200 metros, e já descortina outra cidade. Não que seja muito mais organizada que a "muvuca", mas tem outro aspecto.

Quando se atinge, então, o alto da Av. Adrian Jara e se atravessa a Av. Pioneros del Este, começando a descer, passamos pela região de órgãos públicos como Câmara Municipal, Polícia, situados em meio a uma área verde e, logo vamos encontrar o Lago da República. Esse lago é de onde se extrai parte da água que abastece Ciudad del Este.

Em suas margens há uma extensa área verde e opções de lazer. Na avenida que o margeia, do lado de cima, muitas casas residenciais e algumas faculdades, o que faz com que, principalmente nos fins de tarde, o trânsito aumente e uma multidão de jovens se aglomere às portas dessas escolas e nas proximidades de sorveterias e barzinhos, antes e depois das aulas. É nos passeios dessa avenida que, todas as tardes, meninos e meninas, moças e rapazes, senhores e senhoras, andam de bicicleta ou fazem caminhadas e corridas, colorindo e animando a paisagem que, por si, já é suficientemente bonita.

Depois da baixada do Lago da República, contornando-o, continuando na direção oeste, deparamos com as áreas verdes mantidas pela Itaipu Binacional. São áreas verdes e residenciais bem divididas. As casas dessa região pertencem à Itaipu e são ocupadas por funcionários da empresa. Outra área onde o verde é predominante é a do Paraná Country Club, já no município de Hernandárias, condomínio fechado onde moram pessoas de alta renda. Aí, a segurança é feita por guardas, ostensiva e fortemente armados. Não é preciso dizer que o índice de ocorrências policiais dentro do Condomínio é praticamente zero. Para se entrar nele, é preciso passar por duas guaritas onde qualquer um que não seja residente, mesmo os empregados dos moradores, tem de se identificar.

Para fora de Ciudad del Este, saindo do Departamento do Alto Paraná, vai-se preferencialmente pela Ruta VII, que liga a região à capital, Assunção. Essa sigla é equivalente às de nossas BR. Da Ruta VII, rodovia pedagiada, da qual só conheço os primeiros 30 quilômetros, posso dizer que se aproximam, aliás, de quilômetros de primeiro mundo. Na altura do Km 30 dessa rodovia, já saindo da região metropolitana de Ciudad del Este, depois do Aeroporto Internacional Guarani, no município de Minga Guazu, começa outra rodovia nacional, a que liga a região a Encarnación, capital do Departamento de Itapúa, às margens da represa de Yaciretá, divisa com a Argentina. Essa rodovia cruza uma área paradisíaca. Região toda plana, de solo de fertilidade quase inigualável (li em algum lugar que é o segundo solo em fertilidade do mundo, perdendo apenas para o da Ucrânia, na ex União Soviética). Ali, até onde a vista alcança, centenas de tons de verde e cursos d'agua ainda límpidos fazem a delicia de nossos olhos.

Por aqui, onde a maioria da população tem origem brasileira, adotou-se o plantio direto, ou seja, já não se ara e limpa o solo como antes. Nessa técnica, aproveita-se como adubo a palha da colheita anterior, reduzem-se radicalmente os agrotóxicos e aplica-se controle biológico no combate às pragas. Em recente simpósio que assisti, me inteirei dessa nova mentalidade, cujas origens vamos achar em Ponta Grossa, Estado do Paraná, tão recente quanto os anos 80. Essa técnica é hoje adotada na major parte do Paraguai, que faz o país ter, proporcionalmente, a major área em plantio direto no mundo. É a agricultura sustentável e ecológica, responsável pela conservação e recuperação dos solos desta parte do país.

Alias, é um capitulo à parte a presença brasileira no Paraguai. Chegados nos anos 70, atraídos pelas grandes áreas virgens, com abundância de madeira e solo fértil, os brasileiros se assentaram por aqui e estão hoje na terceira geração. Não há estatísticas confiáveis sobre seu número e o de seus descendentes, que têm também a nacionalidade paraguaia, mas as estimativas vão de 150 a 400 mil, em uma população nacional de cerca de 5 milhões. É muita gente!

0 “Paraguai além da "muvuca" não seria só isso. Faltou falar de muita coisa, mas acho que, para o espaço que tenho, já deu pra ver que vir a Ciudad del Este fazer compras não significa ter vindo ao Paraguai. Arrisco-me a dizer que quem conheceu a "muvuca" conheceu apenas um mercado aberto da globalização, com características bem próprias, que não têm muito a ver com o resto do pais, com a terra das guaranis e das guarânias, das polcas, do idioma guarani, das enormes planícies ainda pouco habitadas e da charmosa capital do pais, a bela Assunção, às margens do Rio Paraguai.

(Ciudad del Este, 08/06/2001)

William Santiago
Enviado por William Santiago em 22/02/2019
Reeditado em 18/10/2020
Código do texto: T6581265
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