Poema a Matilde

A verdade é que eu queria encontrar um pouco de você nos poemas de Matilde Campilho. Mais: queria eu que os poemas que escrevo observassem um pouco mais dela do que de ti. Queria que as frases de 'Jóquei' não martelassem minha cabeça enquanto os pensamentos todos me levam a ti; que eu ouvisse meus poemas com o sotaque puxado e gostoso de uma boa poetisa portuguesa, como se 's' e 'r' dançassem, descompassados entre si, enquanto tu me lias.

É mesmo doloroso olhar os relógios na hora do cuco quando todas as duas horas - a do cuco e a da fuga dos corpos - se confundem, Matilde. E eu já nem vejo mais beleza no fato de duas retas paralelas não se cruzarem e só se encontrarem no infinito, viu? A verdade é que me agrada muito mais a ideia de um gráfico de função quadrática do que as propriedades matemáticas de duas retas paralelas. Queria eu lembrar de marcas de charuto ou de como todas as andorinhas voam estranho no verão. Talvez só pensar em como os anos demoram muito mais a passar agora que fora descoberto o décimo sétimo mês.

Não conheci Daniel, eu sei, mas sinto muito pela perda, meu bem. Nós mudamos tanto que nem mesmo Walter nos reconheceria. Ocorre que, ao menos por aqui, tudo é culpa da distância abissal que existe entre nós. Este abismo, que eu prefiro não dar nomes e esconder de mim, é mesmo muito custoso aos olhos da sanidade. Se nosso amor fosse revólver, você jamais seria a mira. Você sempre esteve muito mais dada aos gatilhos sentimentais - que explodem e intensificam - que eu.

Mas é chegada - por mais que não a queira - a hora do cuco da vida. E eu, subitamente, já não sei mais como resistir.