Conversa sobre a vida e as leis do universo

Mas que loucura é a vida, meu bem.

Os jornais já nem lembram mais dos grandes feitos das nossas épocas e tudo hoje é tido como se apagado. Infelizmente – para mim, é claro -, nada aqui anda assim tão apagado como estão nas manchetes dos jornais.

Pela décima vez consecutiva, os cientistas dizem redescobrir o universo. Chegou a vez da Teoria da Inflação Eterna entrar em cena. Não que me meta a astrofísico, mas depois de lê-la e relê-la algumas dezenas de vezes, pude entender que nada mais é do que uma rebeldia à teoria tradicional de um desses grandes físicos alemães. Raios! E o que é a vida senão um bocado de rebeldia contrária a todas as tradições?

Acho eu tudo isso muito engraçado. O universo muda a todo instante e as leis que tentam explicá-lo vão seguindo sempre a mesma toada. Hoje, por exemplo, temos só oito astros em nosso sistema solar. Plutão, que durante décadas foi considerado nosso nono planeta, agora perdeu a majestade e o título de o menor dos mundos. Pouca coisa importa quando o assunto é ter títulos, meu bem. Afinal, de nada ouso duvidar que, daqui vinte ou trinta rotações completas da Terra em volta do Sol, os novos cientistas encontrem não só o nono, mas talvez o décimo primeiro dos planetas do nosso sistema.

Outra coisa que não entendo muito bem é o Sol, Bee. Como se a mesma mão que afaga também lhe batesse, o sol que te aquece – e também te mantém viva, energizando as células T e colocando intensidade em teu sistema imunológico – é o mesmo que te apodrece e que rompe algumas das ligações celulares mais importantes para a sobrevivência humana. Parece-me que, outra vez, a resposta está muito mais no quanto do que no quê. Isto é, viver é muito mais uma questão de equilíbrio das matérias do que propriamente a natureza delas.

Cássia mesmo dizia algo sobre o segundo sol chegar. Todos a olhavam – sem entender nada – boquiabertos porque sabiam não haver espaço, no próprio espaço, para um outro sol. Não havia equilíbrio suficiente, então sabe-se lá o que queria Cássia com uma nova estrela anã gêmea em nosso sistema mequetrefe. O segundo sol não veio e Cássia até já se foi. Mesmo assim, nada impede que, noutro dia qualquer, quando os relógios indicarem o fim dos tempos terrestres, o segundo sol desponte no céu já esverdeado pelas toxicidades humanas como resultado mediato de todo o efeito estufa.

Eu sei que o que te digo agora soa muito mais a um periódico chato de astrofísica. Quiçá astronomia. E que eu, na mais insignificante das existências humanas, jamais poderia dissertar sobre o rotacionar dos astros; tampouco sobre o ronronar dos gatos de Carlos; muito menos sobre o amor. A experiência que tive de amor o traria como completo vilão. E amor não pode ser vilão, meu bem. A dor que mora em meu peito é muito mais dada ao apego do que o que pensei ser amor e, depois de alguns anos, eu já até me dei conta disso tudo sozinho. Sozinho porque a solidão me soa como obrigação e não deleite.

Solidão: está aí outra coisa que eu ainda não sei muito bem como explicar, Bee. Quantas e quantas vezes eu já me senti só enquanto estava cercado de multidões tamanhas que eu sequer poderia mensurá-las. Noutras, mesmo que sem ter ninguém por perto, vivendo como se num mundo particular entendido pelo tamanho do meu quarto escuro, eu me sentia tão completo, tão bem acompanhado de mim mesmo que eu sequer poderia reclamar a falta de algo ou alguém.

Existe um ditado que diz que é muito melhor estar só do que mal acompanhado. Parece besteira, mas eu levei anos até entender que os ditados populares guardam grandes verdades.

No dia de hoje, observando a revoada dos pássaros que voltam para seus ninhos no final da tarde, eu me lembrei de como você optou por içar voo assim que soube do meu – ou daquilo que eu pensava ser – amor. Os pássaros, entretanto, estarão no parque de fronte amanhã pela manhã; você, por sua vez, nunca me voltou.

Eu não consigo te culpar e isso ainda é causa de uma das maiores estranhezas pessoais. Apesar de toda dor e a agonia que encontram em ti causa exclusiva, eu sei que eu sou o único responsável real por ver você partir quando decidiu que o mundo seria muito melhor sem que eu estivesse ao seu lado.

Se quer saber, meu bem, eu nunca soube amar. E, pra ser bem sincero, talvez nunca saiba, mas agora eu ando absolutamente bem resolvido com isso. Como se no livro de registro dos sonhos dos homens – que sequer existe, mas eu mesmo o criei só para dizer que não os tenho mais, como se num gesto de autopiedade –, eu tivesse aceitado o fato de ser só no mundo e isso tivesse me feito ainda melhor. Eu ousei acreditar que minha maior dor era - na verdade - o meu maior combustível de vida. Eu me recriei, no fim. E hoje sou muito mais meu que de qualquer outra pessoa.