Um pouco de solidão é muito

As locadoras de filmes estão cheias de corações vazios. Os dias correm bem, mas a ausência de movimento que o final de semana traz, exige que algumas pessoas encham a casa de gente desconhecida, atuando em papéis mais interessantes que as suas próprias vidas.

Quando o olhar busca a luz da janela e o enredo dos filmes se torna insípido é o coração informando que um pouco de solidão é muito. Esse estar sozinho se impõe e preenche os espaços e permeia tudo como se fosse uma aura. Toda poesia se vai e a dureza do silencio esmaga os sonhos que ele mesmo constrói.

Sai da sombra a mentira que precisamos, sim, de um pouco de solidão para pôr em ordem os pensamentos... Precisamos de companhia! Precisamos do carinho que se contraponha à força das setas, atiradas pelas escolhas feitas no passado, armadilhas atrozes.

Se fomos feitos para compartilhar, onde estão os compartilhantes? Com quem iremos dividir a lágrima e o seu sal, para as mãos de quem estenderemos a dor e a sua amargura? Queremos a porta que se abra em emoções efervescentes, luminosas como se fossem canções pungentes que podem nos fazer levitar.

Não, não sabemos o que fazer com a ausência de pessoas por todos os lados. Queremos um arquipélago de testemunhas para o dia valer o seu peso em ouro. Imprescinde o olhar em paralelo. Eu fico in-completo se não partilho o tesouro encontrado no meu próprio bolso. Aprendemos que é preciso tricotar cotidianamente pontes para cruzar as águas em dias de inverno. Solitário, sou um São Sebastião.

Olhando assim, é possível encontrar os solitários flanando pelas ruas da cidade, caminhando como se fossem autômatos. É o homem da banca de jornais, a balconista por trás dos tecidos, as donas-de-casa com as suas receitas de bolo, o gari que abençoa o lixo, a criança que brinca no parque, é a professora, o guarda-noturno, o padre.

Clovis Vieira
Enviado por Clovis Vieira em 20/09/2007
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