Sei não se esse trem de ser médico é para mim.

Nasceu no que podemos chamar de "berço de ouro". Sua mãe possuía um bom pedaço de terra, da fazenda Liberdade, que naquele tempo já valia um bom dinheiro que ao se casar com o seu pai, também herdeiro de um quinhão respeitável de uma fazenda na valorizada Boa Esperança, dava para pensar que o futuro estava garantido. Até os cinco anos suas festas de aniversário eram de parar a cidade. Movimentava toda a região. Foi a partir da facilidade de ter tanto patrimônio que seu pai, envolvido com a religião, começou a fazer o que os vendedores de seguro definem como "dilapidar o patrimônio". A farmácia era como uma entidade filantrópica pois todos que chegavam com uma receita médica, saiam com o medicamento que estavam precisando, seja para qualquer dos males e sintomas como febre, cólicas, dores de cabeça e até remédio para lombriga, tudo sem nada cobrar. Questão simples de matemática comercial, e mesmo para a vida, se compra-se medicamentos ou para gastos pessoais e não se obtém lucro, ao final de cada mês ao pagar os funcionários, impostos e não se repõe o gasto, nem precisa dizer que o resultado é a falência. Ainda sem contar os inúmeros pobres que ao realizar alguma cirurgia mais complexa e não possuíam estrutura em suas casas em área rural, de parcos recursos naquela época, seu pai agia sempre como um bom Samaritano, dando hospedagem com alimentação e acompanhamento médico, com direito a medicamentos da farmácia, sem custo. Apelando para a matemática novamente, tudo isto, resultaria em venda de herança, terra fértil e boa por preços muito abaixo daqueles que efetivamente poderiam valer.

Contou com uma maratona de tentativas para se reerguer,ou melhor para manter ao menos o básico, com a mudança para outra cidade, sanando as dívidas com o dinheiro da venda das terras.

Como dizia uma música, Começar de Novo, era o desafio.

O menino que sonhava ser jogador de futebol, escritor, ou alguma área ligada a arte, influenciado pelo tio médico, vendo o sucesso e a possibilidade de um futuro melhor, enveredou para o lado da medicina.

Sempre pensando se esse trem de ser médico iria dar para mim.

Foram mais de trinta anos, já passados, e entendendo que o nosso caminho somos nós que com objetivos definidos e foco, é que conseguimos chegar. Existe a necessidade de entender que independente da profissão, é preciso ter a humildade de estar sempre aprendendo, aprimorando o conhecimento, e jamais pensar que estamos no auge, e esquecer que sempre tem espaço para a evolução e que por mais que conseguimos bons resultados, a vaidade e a prepotência devem ser deixadas de lado.

A cada fase da existência existem ciclos que iniciam e que se fecham, como a própria vida. Entender as circunstâncias e as inevitáveis mudanças que a vida nos impõe é o melhor caminho para a felicidade.

Até hoje, já com atividades profissionais reduzidas, com preocupações de ter uma qualidade de vida em detrimento a ganhos financeiros, ainda assim quando me vejo diante de algum caso mais complexo, lembro do menino que ainda insiste em dizer: "sei não se este trem de ser médico é para mim, mas já que cheguei até aqui, deixa eu trocar ideia com os livros e com uns colegas alí...