Carta para a Musa

Dizia Victor Hugo: “É um tolo aquele que zomba do que é possível”. Não a vejo zombando, mas a vejo duvidando do que é simples, e, portanto, do que é mais possível.

A nossa vidinha de todo dia é apenas ilusão. Beleza física, posição social, dinheiro, carrões e mansões, tudo isso é ilusão, como miragens de um sedento caminheiro do deserto. Qualquer coisa que tenhamos adquirido nesta vida e que ocupe espaço físico ou que tenha valor material, apenas nos será dado por empréstimo e só enquanto durar a nossa vida. Viemos sem nada e voltaremos sem nada. O que eu sou está dentro de mim e me dita o que dizer e me faz sentir o que sinto. E é isso que vai permanecer em mim...

Vou contar-lhe uma história:

Um homem conheceu uma mulher extraordinária e desde que a conheceu, já amanhece esperando os breves momentos em que poderá ler os recados que ela manda. Se ela lhe perguntasse um dia qual era a sua mulher ideal, ele lhe diria simplesmente: “Olhe-se no espelho”. Por não encontrar uma melhor palavra para traduzir o estranho sentimento que o atrai para ela, distante e jamais vista, ele, por ser poeta, chama-o de amor e faz versos sobre esse amor.

Depois que o poeta recolhe-se entre as nuvens douradas do seu Parnaso, surge o homem do mundo, frio, cerebral, mas, ainda assim, com o mesmíssimo sentimento que mobiliza o poeta. Mas, diferente do poeta, o homem conhece a Lei das Probabilidades e sabe que será quase impossível ter essa mulher em seus braços um dia.

Sabe e não se desespera e nem se revolta, pois ninguém é culpado por suscitar uma paixão e nem é obrigado a retribuí-la. Ama-a “simplesmente”, como disse Vinícius de Moraes. Ou, como disse Drummond: “Eu te amo/Porque te amo/ Não precisas ser amante/ E nem sempre sabes sê-lo”.

Mas isso é tão simples que a mulher se recusa a aceitar como verdade, porque as mentiras que convencem são sempre as mais complexas, as bem mais elaboradas. Prefere acreditar num astucioso jogo de sedução.

E o homem continua o mesmo, com o seu sonho de amor – platônico, impossível, louco, ou qualquer título que lhe dêem; mas não se guia por esse sonho, pois não pode mudar a sua vida, nem pode mudar a vida dela. Mas, que não lhe digam que não pode sonhar esse amor. Por que não? O sonho é todo seu, inteiro, perfeito e inalienável!...Nem mesmo precisa da autorização da mulher amada para isso. Pode, sim, caso ela assim o deseje, não mais lhe falar sobre esse sonho, pois, na verdade, os sonhos são para serem sonhados, não para serem contados.

Dê o nome que quiser ao personagem dessa história: louco, imprudente, infantil ou fantasioso. Ou o meu.

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 21/09/2007
Reeditado em 11/05/2022
Código do texto: T662345
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