Para o professor negro assassinado em Goiás.

Foi anteontem que li no jornal. Um professor foi assassinado porque chamou a atenção de um aluno. Foi em Goiás, não me recordo o nome da cidade.

Não tenho nada para falar com o assassino. ASSASSINO! Levou um revólver escondido... e pronto! Não, não tenho nada a dizer a esse coitado. Sim, um coitado, um coitadinho, um vil, energúmeno ser respirante.

Mas o professor...

Fiquei imaginando um menino negro, de origem humilde... só pode, nesse país de tamanha desigualdade e espetáculos de racismo a toda hora, para todas as audiências...

Penso no quanto foi difícil esse garoto estudar, enfrentar desafios, descrédito. A família esticando o dinheiro para chegar até o final do mês. E, no mês seguinte, de novo, sempre a mesma cantilena.

E chegou à universidade acreditando. Sim, porque professor sempre acredita. E sabe que vai ganhar pouco, que vai ter dores fortíssimas na garganta, no braço, na mão que escreve vorazmente. Dores nas pernas, porque, afinal, não pode nem se sentar durante o expediente.

Mas professor acredita, sonha, elabora, deixa de viver os finais de semana com a família e vê muito pouco os próprios filhos.

Imagino a sua formatura! Que dia especial. Mesmo que não tenha tido festa, baile, fotografias... foi o dia da sua formatura. De se perceber como um agente social de mudanças.

Não, professor, não dá para tolerar o que fizeram com o sr. Nem dá para arrumarmos justificativas, como tanto se gosta de fazer.

Foi a vitória da boçalidade que, sei de cátedra, o professor contesta. E resiste, chora, se desgasta todos os dias. Foi a vitória da total falta de limites, de irresponsabilidade. Foi a vitória do sangue contra o sonho e isso me deprime, me acaba, me arrasta.

Professor, uma vez eu assisti uma entrevista de um jovem escritor angolano e ele dizia que devemos ter paciência com os ignorantes. Penso que isso seja exagero no seu caso, justo agora que seus familiares choram lágrimas profundamente amargas.

Mas siga em paz, professor. Siga em paz e não chore. Mande notícias para os seus filhos, esposa, pais, amigos, e diga que está bem.

E perdoe o crápula. Como dizia Shakespeare, “que ele viva muito para que os vermes da sua consciência o corroam”.

Siga em paz, professor. Vá com Deus e sonhe, sonhe muito e seja feliz porque, tenho absoluta certeza, o sr. Fez a sua parte com força, criatividade, emoção, esforço homérico e arte.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 03/05/2019
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