Promoção no supermercado


O supermercado fez grande liquidação no fim de semana nos subúrbios da cidade, e para superar a concorrência o evento foi noticiado na mídia com muito estardalhaço, objetivando angariar uma boa frequência para zerar os estoques encalhados, cujos prazos de validade para o consumo estavam por se esgotar

Algumas ofertas realmente estavam com um precinho bem atrasado ente, mês frente a exiguidade de tempo para serem consumidos, mas nada que justificasse o delírio de uma população que se encontrava ensandecida, embora a desculpa da maioria fosse o fato dos índices da inflação estarem em ritmo ascendente.

A verdade, é que ninguém desejava perder essa ocasião que não acontecia com a assiduidade desejada, por não ser costume da periferia desfrutar desse tipo de promoção, geralmente reservada aos políticos e membros de uma elite o privilegiada e conservadora, como costuma ser denominada pelos petistas.

Segundo foi avaliado na oportunidade, havia perto de um milhão de consumidores ansiosos e espremidos, distribuídos nas filiais espalhadas pelos vários bairros suburbanos da cidade, aguardando ansiosamente a abertura das portas desses estabelecimentos, enquanto famílias inteiras ficavam acampadas nas cercanias vendendo guloseimas, que incluíam tortas caseiras, rabanadas e pé de moleque, etc, objetivando um ganho extra para ajudar na aquisição dos produtos quase vencidos que estavam em oferta.

Em razão desse espantoso aglomerado de famintos, digo, consumidores, as ruas no entorno das filiais da rede de supermercados foram interditadas, em virtude do enorme fluxo de pessoas, o que acabou gerando um verdadeiro caos no trânsito nas proximidades desses mercados. Parecia até dia de carnaval, pois até batucada improvisada aconteceu, enquanto todos aguardavam impacientes o momento ansiosamente esperado desde que havia sido anunciada a tal da promoção durante toda a semana.

Quando as portas finalmente foram abertas, a boiada, digo, a multidão partiu em disparada em direção às entradas das respectivas filiais, atropelando sem dó e nem piedade os funcionários que estavam à frente dessa turba enlouquecida, e também alguns pobres aposentados e pensionistas do INSS que tinham prioridade de acesso, em razão da merreca que recebiam e também pelo fato de serem idosos, por ser para eles a oportunidade de encherem as suas despensas até próxima promoção, a qual torciam que não demorasse um tempão, porque na casa que falta o pão todo mundo grita e ninguém tem razão.

Mas os consumidores mais jovens não levaram isso em consideração e passaram por cima deles sem nenhuma objeção, achatando-os ou imprensando-os junto as gôndolas dos produtos em liquidação. Uma cena bizarra e digna das pegadinhas do Faustão, chegando, inclusive, a roubarem as bengalas que alguns traziam para alcançarem os produtos estocados nas prateleiras mais altas existentes no salão.

O Espaço ficou diminuto para tantos consumidores, enquanto o alarido que essa movimentação gerava estava totalmente fora de controle, a ponto de impossibilitar que o sistema de alto-falantes fosse ouvido e colocasse ordem naquela zorra total. Era fato comum ver vários consumidores segurando o mesmo produto numa acirrada luta, e nessa hora ninguém sequer pedia desculpas, valendo puxão de cabelo, dentada, rasteira, capoeira e palavras de baixo calão que ofendiam até a quinta geração.

Os gerentes, coitados, não sabiam mais o que fazer, a não ser ficarem observando, impotentes, os seus estabelecimentos aos poucos se desfazerem. As coxias já haviam desaparecido, ficando em seu lugar um monte de embalagens despedaçadas pela multidão desesperada, por terem sido ferozmente disputadas.

Os carrinhos de compras eram insuficientes, face ao número de consumidores presentes e a quantidade de compras a serem registrada, fazendo que se tornassem também objeto de desejo e fossem disputados a tapa pelos mais afoitos numa disputa desesperada.

Tamanho era o número de carrinhos nos corredores, que mais parecia um engarrafamento monstro de compradores. Pobre de quem ficasse à frente de seus condutores, porque certamente seriam atropelados e depois amontoados num canto qualquer, até que as ambulâncias chegassem e recolhessem os restos que sobrassem desses infelizes consumidores.

Em um determinado instante, os responsáveis pelas empresas tentaram impedir novos acessos, porém sem nenhum sucesso, em razão das sucessivas ondas humanas que passavam e deixavam apenas um triste desalinho em seu caminho. Os aparelhos de ar-condicionado, mesmo ligados ao máximo da potência, não conseguiam dar vazão em vista do tamanho do povão.

Tinha gente calçando chinelos de dedo, alpargatas e mesmo descalços, em razão de vários percalços. Mas o pior momento ficou por conta do último movimento, quando o povo começou a voltar aos caixas para fazer o devido pagamento. E, como não podia deixar de ser, começaram a aparecer os espertinhos que furavam a fila com o já manjado jeitinho, gerando muito bate-boca, empurrões, desaforos e alguns socos.

Na medida em que iam colocando os alimentos nas esteiras dos caixas, para que fossem contabilizados, o espaço era pequeno demais para tantos itens disponibilizados, o que gerava um atraso considerável que aumentava ainda mais os ânimos, a essa altura muito exaltados.

Depois de uma tremenda batalha campal, com gente de pernas e braços fraturados, além de hematomas de tudo que era lado, aos sobreviventes desse momento infernal restou lição de moral: a liquidação quando é feita nas periferias leva o suburbano a um completo estado de histeria.
Cronista
Enviado por Cronista em 11/05/2019
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