Ecos de uma infância feliz

Sentei-me em uma cadeira do alpendre com vista para a movimentada Rua Coronel João Vaz, em Ipameri, e meu pensamento voltou no tempo, isolando-me completamente do barulho dos transeuntes e veículos que passavam. Mergulhei conscientemente no vácuo do tempo, procurando por alguns momentos maravilhosos vividos em um passado distante, ali naquela mesma rua. Repentinamente vi-me menino, jogando futebol na rua de terra.

Nesta espécie de regressão, voltei ao início dos anos cinqüenta e, naquela antiga rua, com postes de madeira e sarjetas de pedras, encontrei meus amigos de tantas brincadeiras saudáveis e felizes. Lá estavam minha irmã Marizete, meu primo José Carlos e meus amigos Valério, Selim, Joelson, Barata, Luciana e tantos outros para uma tarde de sábado de muita diversão. Como sempre,

começaríamos jogando o pique de latinha, nosso preferido.

Naquela época não havia televisão, computador ou vídeo game; o rádio era destinado aos adultos; e o cinema era caro e só podíamos ir às matinês de domingo. Talvez por isto nós éramos tão unidos e felizes, pois, ninguém se divertia sozinho, como acontece hoje em dia. As amizades eram para a vida toda; até hoje adoro aqueles amigos de infância e sinto uma grande alegria quando os encontro, o que, infelizmente, não ocorre com muita frequência.

Ali estava eu de calças curtas, herói nato, correndo como o vento para chutar a latinha e salvar todos os amigos que comigo brincavam, procurando não fazer barulho e levantando a poeira da rua. Já estava a um metro da latinha quando o Valério me viu e gritou: "Pique!" Na brincadeira, assim como na vida, nem tudo sai co-mo imaginamos e a derrota nos visita de vez em quando, o que é bom para aprendermos a sermos humildes e a valorizarmos as vitórias.

Fiquei ouvindo os ecos de nossos risos, vendo a felicidade estampada em nossos rostos infantis, lembrando-me de quando o progresso chegou em forma de paralelepípedos, que foram cobrin-do a rua, sepultando a poeira e deixando-nos preocupados. Agora uma queda na rua poderia significar um ferimento grave; precisaríamos tomar mais cuidado, especialmente ao jogarmos futebol. Às vezes não entendemos o progresso, ele parece piorar as coisas. Uma voz suave me chamava de muito distante, eu precisava voltar.

Retornei meio letárgico, como quem acorda de um sonho bom, a voz que escutara era a de minha mãe, chamando-me para o almoço. Levantei-me e, antes de entrar, lancei um olhar para a rua que, agora asfaltada, parecia convidar-me para jogar um pique de latinha. Mas tive a impressão de que o antigo prédio do correio me advertia:

-Você há muito já não é mais um menino. Cuidado para não sofrer um enfarto correndo atrás de uma latinha! Ele estava certo. A tentação era grande, mas preferi aceitar o convite para um almoço tranqüilo.