UM DIA NA INFÂNCIA

UM DIA NA INFÂNCIA

Autor: José Rodrigues Filho.

Naquela radiosa manhã primaveril, a natureza, em festa, prometia um dia cheio de surpresas campestres. No local, onde nos encontrávamos, tudo transcorria bucolicamente, mormente o barreiro ou aguada que se encontrava em seu mais alto nível de armazenamento, em sua bacia de acumulação, dando vazão ao excesso de água através do sangradouro ou ladrão.

Eu e Niniu, filho do proprietário do imóvel e afilhado de meus pais, observávamos o relevo em torno daquela pequena lagoa quando, ao nos aproximarmos do sangradouro que apresentava uma vazão de, cerca de, cinco centímetros de lâmina-d`água, notamos um movimento ondulatório na água em direção à jusante do barreiro.

- É uma traíra! Gritou Niniu, cheio de entusiasmo, e avançou em direção àquele peixe que, rapidamente, tentava escapar ao cerco que fizemos, mas que foi cair diretamente em minhas mãos.

- Peguei! Gritei eu exultante.

Agarrei-o com as duas mãos, pelo meio do corpo, admirado pelo tamanho e beleza daquele peixão quando, repentinamente, levei uma dentada no dedo indicador que fez o sangue jorrar em alta fluidez. Num átimo, atirei o peixe sobre a trincheira do barreiro e, imediatamente, levei a mão à boca para chupar o sangue, medida preventiva para sanear o ferimento, cuspindo o sangue sobre as gramíneas que medravam na crista da trincheira. A traíra deu mais alguns saltos e, em seguida, aquietou-se, ocasião em que a agarrei e saímos correndo para a casa de Niniu, no intuito de que D. Marieta, mãe dele, tratasse aquele colosso de peixe que eu havia pegado, pois eu iria leva-lo para a minha mãe prepará-lo, em minha casa, para um delicioso almoço e/ou jantar.

D. Marieta ficou surpresa com a pescaria improvisada e prometeu tratar o peixe para que eu o levasse para minha mãe fazer uma bela peixada.

Saímos, então, para ver como estavam as jabuticabeiras e outras frutíferas que eram cultivadas no sítio.

Retornamos, para o almoço, e recebemos a ingrata notícia de que Lapichunga, um gato arisco que às vezes circulava pelo entorno da casa, havia pegado o peixe enquanto este secava ao sol no terreiro. Essa notícia nos atingiu, em cheio, deixando-nos irados e buscando vingança contra o famigerado Lapichunga. Pedaços de manivas (caules de mandioca) e outros gravetos, encontrados à mão, foram apanhados e atirados contra o terrível bichano que havia roubado aquele peixe que tanto trabalho nos dera para capturá-lo, mas o maldito felino conseguiu escapar, da morte certa, saindo do mandiocal e embrenhando-se numa zona de mata que circundava a área cultivada.

À tardinha, retornamos para a cidade (Camocim, ainda era distrito) e eu contei à minha mãe a incrível aventura que vivera no sítio do compadre Artur.

Cerca de, um mês após esse ocorrido fomos visitar os compadres; desta feita, no caminhão de meu pai. Ao final do dia, quando estávamos prestes a retornar da visita, D. Marieta entregou um embrulho à minha mãe contendo aquela traíra que eu, tão arduamente, havia capturado. Rindo, ela explicou que não iria permitir que eu levasse para casa, em consideração à sua comadre Nina, um único peixe salgado, embrulhado, passando por toda a cidade de Camocim.

“Lapichunga escapou de boa!”.

Amélia Rodrigues-Ba. 24 de junho de 2019.

José Rodrigues Filho
Enviado por José Rodrigues Filho em 09/07/2019
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