Guerra no Coletivo

- Alcides! Manda passar o elemento!

- Sim senhor, delegado.

- Então, o senhor foi acusado de agredir o passageiro que estava ao seu lado no ônibus Porto Alegre - Rio Grande. O senhor pode ser condenado por lesões corporais. Que justificativas o senhor alega?

- Bem, não cheguei mesmo a agredir o rapaz. Falseei o pé na escada e acabei empurrando o cara na escada do coletivo.

- Mas, ele alega que o senhor vinha implicando com ele a viagem inteira.

- Não é verdade, seu delegado. Foi ele quem inticou comigo, desde o começo. Quando cheguei para me sentar, ele tinha colocado uma baita sacola entre as pernas e o pé dele estava ocupando o meu espaço. Daí eu pedi para ele colocar a sacola lá em cima, no bagageiro. Ele disse que não cabia. Eu retruquei que ele, então, colocasse ela no bagageiro externo. Ele resmungou um pouco e saiu com a sacola. Quando voltou, levantei para ele passar e tudo e ele, mal-agradecido, sentou, cruzou as pernas e enfiou um tênis sujo pro meu lado. Ah, não prestou! Eu bati na perna dele e disse que ele devia descruzar a perna porque estava invadindo o meu espaço, de novo. Ele me olhou com raiva e se encolheu. Daí, eu peguei o meu gibi do Homem-Aranha para ler e ele pegou o Diário Gaúcho e abriu bem as páginas. Ia lendo a coluna esportiva e aquela folha me cutucando na cara. Foi me dando uma agonia, mas eu me cheguei mais pro lado e decidi esquecer. Daí a pouco, o motorista ligou a televisão. Era um filme dublado, uma comédia sobre uma barbearia de negros nos Estados Unidos. Não sei se o senhor viu, não é ruim, mas eles passam esse filme toda a viagem que eu faço. Não agüento mais ouvir as mesmas piadas. Aí, eu resolvi ouvir música no Ipod que o meu filho me deu de Natal no ano passado. O rapaz do lado olhou com inveja. Ele puxou o celular e começou a experimentar os toques do telefone. Eu olhei pra ele com cara de brabo e uma senhora atrás reclamou e ele parou. Daí a pouco, começou a jogar videogueime com o celular, uma musiquinha irritante que passava pelos meus fones e atrapalhava. Eu estava ouvindo o último CD da Teresa Cristina – Delicada – não sei se o senhor conhece.

- Não, nem sei quem é. Mas, isso não vem ao caso. Continue. Mas apresse essa história!

- Mas eu tenho que lhe contar em detalhes, senão o senhor não vai me perdoar! O tal barulhinho era irritante só pra mim pelo jeito, porque a tal senhora não reclamou desta vez. Aí eu desliguei o Ipod e resolvi dormir um pouco. Foi aí que começou a guerra de cotovelos. Ele queria colocar o braço no apoio do meio das duas poltronas e me empurrava. Eu botava o cotovelo mais pra frente e logo vinha ele. Tirei o cotovelo do apoio pra poder dormir e ele resolveu que era dono de tudo, recostou a poltrona, cruzou os braços no peito, e fincou o cotovelo no meu braço. Eu desisti de dormir e peguei, na mochila, um pão de queijo, que eu comprei na rodoviária, já que o ônibus não pára mais no Grill, nem pra gente mijar. Eu acho um desaforo, mas tem gente que prefere, pra chegar mais cedo em casa. Foi então que ele derramou a gota no copo d’água cheio. Não é que o cara tira um pacote de Beiconzitos da bolsa e começa a comer?! Crock, crock! E o cheiro, seu delegado! Aquele troço tem um cheiro insuportável. Me deu uma raiva! Uma raiva!... Quando a gente saiu o ônibus, deixei ele ir na minha frente e, sem querer, falseei o pé na escada e empurrei o cara. Ele deu de fuça numa coluna. Nem se machucou muito. Tá fazendo onda... Vai ver que a raiva dele foi porque eu não deixei ele sair pra ir ao banheiro do ônibus. Fingi que estava dormindo...

- Alcides! Libera o elemento. Cheiro de Beiconzitos é uma justificativa mais que plausível...